Projeto Escrevivendo

Crônicas de Grasiele Maia Nossas Letras SESC Belenzinho 2016

Por Erica Franco e Renata Guerra

Coordenação: Karen Kahn

Linha vermelha da depressão

    Segunda-feira. Chegar cedo ao trabalho era minha meta. Saí 10 minutos mais cedo de casa.

    “Por que as pessoas param do lado esquerdo? ” – pensei já aborrecida, enquanto subia a escada rolante.

    Começou a garoa... “Pronto! É hoje que chego amanhã”.

    Perto da catraca, notei o uni duni tê que uma moça fazia para escolher a catraca que estava livre. “Por que não escolhe uma e vai? ”

    Engatilhado, meu bilhete único passou sem mais demoras. Desci as escadas rumo à plataforma. Lotada. Preguiça. O relógio indicava 7h45.

    Passou 1,2,3,4. Quatro metrôs e eu não saí do lugar. “Daqui a pouco deve passar o vazio das 8h15” – a esperança toma conta.

    A lombar já dolorida indica duas coisas: a mochila pesada e a posição que não aliviava a coluna.

    “O vazio! ” Alegria. Passou direto, a desilusão.

    Passou 1,2,3,4 lotados. Mais um metrô se aproxima da plataforma. Vazio! “Calma gente. ” Sentar era utopia. Uma viva alma segurou minha mochila e a marmita. “Gratidão.”

    Destino: República. Nove estações. Freadas bruscas colocavam os bois nos melhores lugares. “Deve ser recém-contratado. ”  “Se meu fisioterapeuta andasse de metrô, entenderia a razão da minha lordose e escoliose. Ai RPG. ”

    Chega no Brás. O impossível acontece e o que estava lotado, fica intragável. Lá vem a cavalaria de Game Of Thrones, punhos cerrados e peito aberto.

    Sé. Alívio? O tanto que sai é quase o mesmo tanto que entra. “Força, tá chegando. ”

    República.

    “Ufa, cheguei. ” “Chegamos. ”

    Amanhã começa tudo de novo...

Grasiele Maia

Sob os olhos da Catedral da Sé

 

As portas se abrem e como no jogo de bilhar, as pessoas procuram suas caçapas: Jabaquara, Tucuruvi, Saída. Subo as escadas, meu destino está fora dos trilhos. As catracas recepcionam quem chega e dizem até logo para quem segue adiante.

 

Um ar nostálgico invade minhas lembranças. Durante anos, eu, minha mãe e minha irmã fizemos o mesmo trajeto. Destino? O convênio médico que tínhamos no prédio do sindicato dos trabalhadores da indústria. De mãos dadas, seguíamos a placa: Catedral da Sé, rua Anita Garibaldi. Faço o mesmo caminho e as mudanças do passar dos anos vêm à tona. O comprador de ouro e o senhorzinho que consertava relógios antigos, na rua Onze de Agosto, em 1990, deram espaço à Cacau Show e ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

 

Na esquina com a Praça João Mendes, não encontro mais a banca de jornal, um dos nossos pontos de parada. O jornaleiro, um senhor carismático, sempre comentava o quanto eu e minha irmã estávamos crescendo. As aquisições eram sempre as mesmas: dois gibis da Turma da Mônica para ajudar a passar o tempo. Onde será que ele está? Como será que ele está?

 

Esperando o farol abrir, me deparo com o Fórum João Mendes e me vem à memória o grupo de senhores e senhoras, vestidos de branco, na maioria orientais, que praticavam tai chi chuan, às 7 horas da manhã. Será que esses encontros ainda acontecem?

 

Volto ao presente em meio às buzinas e aos transeuntes. Ao contrário de muitos, tenho um tempo de sobra e decido percorrer o caminho que há anos não faço. Cruzo a praça e antes de atravessar a Conselheiro Furtado, percebo que as lojinhas com delicados artigos orientais viraram galerias com produtos gospel e made in china.   

 

Começo a descer a Conde de Sarzedas. A primeira diferença torce meu estômago, a quantidade de moradores de rua, crianças, idosos, homens e mulheres jogados à própria sorte; ao redor, lojas de artigos evangélicos os acolhem sem ao menos abraçá-los. O som alto não vem das pick ups, mas das lojas de Jeová. Continuo minha peregrinação. Edifícios grandiosos foram construídos e os estacionamentos dividem espaço com igrejas. Imóveis abandonados, outros disponíveis para locação e mais lojas gourmetizadas de artigos religiosos. Tento forçar a memória e só me recordo das mãos da minha mãe nos guiando pelas calçadas tortuosas. A antiga fachada de mármore deu espaço a um prédio pintado de laranja e amarelo com grades azuis. Cheguei, o prédio estava fechado. Talvez porque fosse sábado...

 

Em frente ainda tem uma lanchonete ou, melhor, um boteco. Lembro-me das poucas vezes que meu pai nos acompanhou, ele comprava um café com leite e um pão de queijo. Será que é o mesmo dono? A curiosidade foi sanada, quanta coisa está diferente. Não reconheço mais aquele local como um ambiente que antes era familiar. Agora tenho que encarar a subida e voltar aos trilhos.

Grasiele Maia

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