Insônia
Grazi Brum
A razão sofre quando não pode ceder ao apelo do coração, nem tampouco aos desejos do corpo. Os pensamentos se perdem na escuridão de uma noite que parece não ter hora para findar. Removo toda a roupa. Ando pela casa nua e me sirvo de um copo de vinho.
Bebo olhando as luzes da avenida, esperando o primeiro raio de luz. Com o dia a mente se torna diáfana e as idéias se coordenam em linhas paralelas, sem se chocarem umas com as outras. Essa é a minha esperança, embora nem sempre tenha sido assim.
Vejo através da cortina o pessoal da padaria em frente chegando, já sei que são cinco da manhã; logo, logo vai amanhecer e nesse momento todo o desespero termina. Um ritual de passagem, a luz rompe o horizonte removendo os ácidos enegrecidos que corrompem a sanidade da mente e a paz do espírito pusilânime.
A claridade faz o corpo relaxar, a cabeça se esvaziar e os olhos pesarem. Nada melhor que uma manhã bem dormida depois de uma noite vagando por labirintos obscuros de anseios mal decifrados.
O som da rua se agita. Os carros passam com mais freqüência, trabalhadores transitam nos dois sentidos, motos, ônibus e bicicletas preenchem a Avenida. O amanhecer envia seu cheiro. É pão, café, fumaça, borracha no asfalto. Mas as paredes do apartamento ainda vertem o líquido viscoso encanecido sobre o piso. Afundo os pés na tinta vermelha jorrada no chão.
Tenho medo de me afogar.
Volto a caminhar. No quarto me olho no espelho de corpo inteiro. O reflexo é uma carcaça desalmada de olheiras profundas, não sou mais eu. Não vejo ninguém.
Um zumbi sem reflexo. Peito sem ar. Olhos sem janelas.
De repente um som. Um novo som. Da rua vem o soneto de andorinha. Um sinal que tudo chegou ao final, me apresso para abrir a janela. A luz entra banhando o branco da pele e vai retirando, centímetro por centímetro, em calmaria, em águas tranqüilas, todas as agruras.
Escoa toda a tristeza da impotência, saindo pelos poros a angustia, a decepção e a falta de reparação.
Os raios de sol limpam o esqueleto cansado deitado na cama. Penetram na superfície e arrumam, coordenam e alimentam o ser. Vão enchendo de graça e de massa. Devolvendo a beleza arrancada por aflição, por descompaixão. O vento manso carrega os últimos suspiros de desânimos.
Os olhos penetram em maresia. Fecho a persiana. Ele já está lá fora me protegendo, zelando. O sol. Já posso descansar.
Enrolo meu corpo nu no lençol e vejo o mar, as ondas batendo em mim. As pombas revoando em meus braços. Cresço em extensão esticada na areia. E a areia vai cobrindo as pernas, a barriga, o rosto.
Um leito confortável de paz e descanso. Aconchego. E adentro no intenso sentimento de não pensar em mais nada.
***
Beijos de Karen Kipnis!
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