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NOVE ANOS PARA UM VERSO Por Arthur Nestrovski

 
 
“Quando o Dorival Caymmi era criança, ele tinha um amigo pescador, chamado Aurelino. Morava na praia de Itapuã, na Bahia. O pai de Aurelino era o João Carapeba, de quem o Caymmi gostava. Um sujeito fortão, brigão, que dizia muito palavrão; mas também caloroso e carinhoso, conforme o momento. Quase todo mundo é um pouco assim: de um jeito numa hora, de outro noutra. Só que o Carapeba era muito assim.
 
 
Anos mais tarde, o Caymmi resolveu fazer uma música sobre ele. João Carapeba, então, virou "João Valentão". E a música tem duas partes bem diferentes: a primeira rápida e animada, a segunda suave e dengosa.
 
 
Caymmi, que sempre teve fama de preguiçoso, quando foi fazer essa música exagerou. Começou a compor em 1936, num verão em Itapuã. A melodia saiu rápido. A letra, quase toda de uma vez. Até que ele chegou nuns versos que falam em "deitar na areia da praia". Deitar na praia é gostoso - e o Caymmi parou por aí.
 
 
Só sete anos depois, andando de bonde no Rio de Janeiro, ele achou os dois versos que faltavam: "E assim adormece este homem, que nunca precisa dormir para sonhar / Porque não há sonho mais lindo do que sua terra, não há". Como se não bastasse, veio um amigo depois sugerindo trocar "terra" por "vida". Ao todo foram mais dois anos, até o Caymmi se decidir.
 
 
Esse tempo, afinal, não importa. Porque o tempo, para Caymmi, não se usa para procurar nada; o tempo é para achar. E quando o Caymmi acha, a música não fica só pronta: fica perfeita, para sempre.”
 
 
 Folha de São Paulo, 30 de Outubro de 2004
 
Para ler mais textos "musicais" deste autor:  http://www.arthurnestrovski.com/textos.php?page=29&type=todos

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Tags: canções, escrevivendo, escrita, leitura, oficina

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