Projeto Escrevivendo

Escrevivendo Caminhos/ primeiro encontro: textos complementares: H. de Campos e Guy ( GA)

Galáxias – Formante I

Haroldo de Campos

 

e começo aqui e meço aqui este começo  e recomeço e remeço e arremesso

e aqui me meço quando se vive sob a espécie da viagem o que importa

não é  a viagem mas o começo da por isso meço por isso começo a escrever

mil páginas escrever milumapáginas para acabar com a escritura para

começar com a escritura para acabarcomeçar com a escritura por isso

recomeço por isso arremesso por isso teço escrever sobre escrever é

o futuro do escrever sobrescrevo sobrescravo em milumanoites miluma-

páginas ou uma página em uma noite que é o mesmo noites e páginas

mesmam ensimesmas onde o fim é o começo onde escrever sobre o escrever

é não escrever sobre não escrever e por isso começo descomeço pelo

descomeço desconheço e me teço um livro onde tudo seja fortuito e

forçoso um livro onde tudo seja não esteja seja um umbigodomundolivro

um umbigodolivromundo um livro de viagem onde a viagem seja o livro

o ser do livro é a viagem por isso começo pois a viagem é o começo

e volto e revolto pois na volta recomeço reconheço remeço um livro

é o conteúdo do livro e cada página de um livro é o conteúdo de um livro

e cada linha de uma página e cada palavra de uma linha é o conteúdo

da palavra da linha da página do livro ensaia um livro

todo livro é um livro de ensaio de ensaios do livro por isso o fim-

começo começa e fina recomeça e refina se afina o fim no funil do

começo afunila o começo no fuzil do fim no fim do fim recomeça o

recomeço refina o refino do fim e onde fina começa e se apressa e

regressa e retece há milumestórias na mínima unha de estória por

isso não conto por isso não canto por isso a nãoestória me desconta

ou me descanta o avesso da estória que pode ser escória que pode

ser cárie que pode ser estória tudo depende da hora tudo depende

da glória tudo depende de embora e nada e néris e reles e memnada

de nada e nures de néris de reles de ralo de raro e nacos de necas

e nanjas de nullus e nures de nenhures e nesgas de nulla res e

nenhumzinho de nemnada nunca pode ser tudo pode ser todo pode ser total

tudossomado todo somassuma de tudo suma somatória do assomo do assombro

e aqui me meço e começo e me projeto eco do começo em eco no oco eco de um soco

no osso e aqui ou além ou aquém ou láacolá ou em toda parte ou em

nenhuma parte ou mais além ou menos aquém ou mais adiante ou menos atrás

ou avante ou paravante ou à ré ou a raso ou a rés começo re começo

rés começo raso começo que a unha-de-fome da estória não me come

não me consome não me doma não me redoma pois no osso do começo só

conheço o osso o osso buco do começo a bossa do começo onde é viagem

onde a viagem é maravilha de tornaviagem é tornassol viagem de maravilha

onde a migalha a maravalha a apara é maravilha é vanilla é vigília

é cintila de centelha é favila de fábula é lumínula de nada e descanto

a fábula e desconto as fadas e conto as favas pois começo a fala

 

In: CAMPOS, Haroldo de. Galáxias. 2ª ed. revista; organização de Trajano Vieira. São Paulo: Ed.34, 2004.

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TEXTO II - Guilherme de Almeida

O Estado de São Paulo, 1929

 

 

 

A Sociedade 10 nov. 1929

 

 

...De Guarujá

 

        Eu não quis escrever nada acho, no lugar dessas reticências, antes desse “de Guarujá”. Para quê! “Saudade”! “Remorso”! “Luar”! Literaturas! Títulos bons para valsas nacionais, perfeitamente horríveis.

        “...de Guarujá” - isso basta.

        Foi uma semana...Uma semana é mais do que suficiente para fazer a gente esquecer, de uma maneira total e absoluta, uma grande paixão ou um grande infortúnio; mas nunca bastará para que a mais desmemoriada de todas as criaturas humanas esqueça o menos significativo de todos os prazeres. Não somos assim: adoravelmente assim...

        Aquele último “weekend” de outubro – que começou na quinta-feira, 31, e terminou na segunda-feira, 4 de novembro – foi uma pequena, doce glória. E, sob esse loureiro do passado, a gente fecha os olhos e dorme. E sonha:

        “Grande Hotel de la Plage”. A chegada dos automóveis trazendo São paulo – o lindo São Paulo – entre os seus coiros e seus cristais. Srs. e Sras. Edgar Conceição, Guilherme Prates, Eduardo Almeida, Fritz de Sousa Queiroz, Jayme Telles, Firmiano Pinto Filho, Carlos Mendonça, Jorge Alves de Lima, Sandro Aristeo, João Sampaio; sras. dd. Dinah Almeida e Cecília Amaral; senhorita Antonieta Amaral, srs. Amadeu Saraiva, Fernando Prestes, Paulo Aquino, Thomas Cunha Bueno, Alfredo Mesquita, dr. Olindo Chiafarelli, Luis Baêta, Anatole Salles.

        Manhãs de “maillot” e “volleyball” na praia de oiro...

        O “coktail”, no bar, com a “boutade” e a pele-de-limão “queezed” [sic] on top”.

        O almoço em “maillot” no terraço,:sugestão muito européia do velho Lido...

        Chá dançante no “Asturias”; aquele restaurante que faz a gente pensar que está a bordo. Vitrola com todos os sons dos últimos filmes...

        Agora, é o anoitecer marítimo, com as luzes dançando na água e sob os faróis dos automóveis rasgando de novo bandeirantemente, o caminho do Perequê...

        Jantar. O ar fino do mar recorta do “Voge” as figurinhas muito “ritzy” de Bénito, Lepape ou P. Mourgue: e elas ficam vivendo ali, coloridas e leves, incrivelmente...

        O café na sala “ubi fuit”, a roleta velha. Luz forte. As jóias brilham, nas peles e nas sedas. Aquilo é uma vitrine de Maubossin...

        Madrugada...chuva...

        Segunda-feira, 4, Ressaca no mar...e em terra. E a volta triste, a São Paulo, dos automóveis chorando de chuva...

                                                                                                                 

 

 

                                                                                                                 GUY

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Tags: SESC, Santos, caminhos, escrevivendo, escrita, leitura, oficina

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