Projeto Escrevivendo

SP, 19. 03. 2011

Querido Cláudio

Ontem, sexta-feira, dava continuidade à faxina que tento fazer em minha vida, jogando fora papéis que se tornaram inúteis, agora. Recibos de pagamentos de água, luz, mensalidade escolar, tocos de talões de cheque, agendas, entre outros. Retalhos de minha vida cuidadosamente empacotados, durante anos em sacolas de plásticos, trancafiados em algum recanto do armário e que não resistiram ao meu atual desejo de zerar a vida para dar lugar ao novo. Joguei o conteúdo de diversas sacolas fora, não sem antes picar, devidamente, todos aqueles papéis amarelados pelo tempo, com cheiro de “amanhecido”. Eram documentos refer entes à década de 1990 e no meio deles encontrei sua carta de 27 de fevereiro de 1994. Faz mais de 15 anos!

Linda carta que muito me emocionou. Momento difícil para você, logo após a sua separação de seu filho Leonardo, o melhor amigo do Cauê na pré-escola. Dos dois aos seis anos, na Ibeji e depois, mesmo quando se separaram indo para escolas de diferentes, ainda se encontraram por mais dois anos. Até os oito, com certeza. Por iniciativa nossa, é claro! Mais sua do que minha que trazia seu menino ou vinha buscar o Cauê, frequentemente, para que pudessem brincar; “trocar figurinhas”. A última vez foi em dezembro de 1989, no ano em que nos mudamos para Presidente Prudente. Você me surpreendeu com tanto empenho para nos rever. Atravessou o estado de leste a oeste só para nos visitar. Depois disso nunca mais se viram.

Por que será? Desistimos de alimentar esta amizade? Eles a substituíram por outras? Onde estará o Léo atualmente? Como estará o Léo, no auge de seus trinta anos? Busquei por vocês na internet, mas não encontrei nenhum sinal.

Estas lembranças me emocionaram tanto, transportando-me para aqueles dias ou para o que eu procurei cuidadosamente guardar daqueles dias, que até esqueci de que o assunto tratado aqui é a delicadeza de sua carta. Nela você conta como foi o dia do retorno do Léo para Buenos Aires, depois do natal de 1993. Descreve as suas roupas, tênis, boné e óculos, detalhando cores, marcas e onde havia comprado cada uma delas, só para deixá-lo se sentir mais bonito para a viagem de adeus. Ia ao encontro de sua mãe e, para sua tristeza, talvez estivesse muito feliz.

Foi como veio, você lembra, sem acompanhante para controlar os seus 14/15 anos de vida. Solto, livre das ordens dos adultos, mas não abandonado, pois foi sempre muito querido.

Como é difícil encontrar os limites entre soltura e abandono. Como é duro reconhecer que nossos filhos cresceram e como você diz lindamente: “Léo foi embora mais ficou a saudade: ecos de uma voz que não é mais infantil, a ternura dos dias passados juntos, os papos que tivemos.”

Fico sentimental, mudo de assunto: envelheço?” Confessa você tomado pela emoção.

Pois é Cláudio, como já disse, ao reler sua carta me emocionei muito. Não tinha mais lembranças dela e nem dos sentimentos que ela me causou na época. Só sei que agora, parece que a emoção foi muito maior. Ah, as armadilhas da memória!

Continuarei procurando vocês por aí.

Então, até breve, meus queridos.

Beijos,

Ilíada

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Tags: cartas, escrevivendo, escrita, leitura, oficina

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