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"CARTA REGADA A UÍSQUE" por Flávia Soufer

São Paulo, outono 2012.
Do balcão de um pub em Pinheiros,
embriagada de uísque irlandês,
escrevo para ti, Mr. Paul Hewson.

Ando pela trupe do rock´n roll
desde os barulhos de Joshua Tree.
Estrondos e ruídos teus 
pelo meu deserto puerício.
Uma velha coleção de bonecas
atirada do precipício.

Teus acordes, Hewson,
cruzaram minhas calmarias.
Romperam meus laços babados
nos vestidos petit-pois.

E de menina, virei moça.
A tua moça...
de coturnos até os joelhos,
lápis preto nos olhos de avelã,
jaqueta de couro, sutiã...

Uma roqueirinha cidadã,
sem saber muito da vida,
escalando os versos teus
- já também tão meus -
pela mais alta montanha acústica,
esvoaçante na garupa tua.

Através dos teus campos e grades
pelos muros da minha cidade
exalaram as boas vozes tuas.
Sob o meu andar deslizante
anoiteceu o levantar dos teus dias,
meus misteriosos caminhos...

Caminhos por onde ainda corro
hoje, duas décadas depois, 
como uma onda que vem e vai, mas...
sem encontrar o que procuro.
Com um copo de uísque nas mãos
pergunto a ti, Paul...
Onde ainda procurar?

Que as rugas tuas
nos teus cantos de encantos
nos teus queixos fora do eixo
pulsem algo a erudir-me
além do rastejar das cores
pelas roucas ruas de outono
tão além dos olhos teus,
azuis...
que a mim acenam faíscas
de promessas em melodias.

Bono, ao teu som de violão,
és sedução...

Das tuas notas musicais,
- harmônicas atemporais -
uma serpente dançante 
arde nas minhas mãos 
e sela com um beijo
este meu sobrescrito.

No envelope,
um convite...
Meu perfume,
meu endereço.

Venhas com violão, 
teus favos de voz,
tuas mãos... 
nosso uísque irlandês.

Beijo de novo o papel.
Sem timidez,
com embriaguez, 
tua moça...
talvez. 


- Flávia Soufer

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