Projeto Escrevivendo

Crônicas de Fabiola Ribeiro - Nossas Letras SESC Belenzinho 2016

Nossas Letras Crônicas 2016

Por Erica Franco e Renata Guerra

Coord: Karen Kahn

A MEIA HORA

Hoje saí do trabalho mais cedo que normalmente, abri a porta e o mormaço quente veio na minha direção. O verão não chegou, mas na terra da garoa ele veio mais cedo. Tenho um compromisso importante: aniversário de um amigo. Por sorte ele mora próximo ao meu trabalho - ou seria o contrário? Confesso que a única qualidade de trabalhar numa das ruas mais conhecidas de São Paulo, a Oscar Freire, é estar perto de quase todos os lugares que os jovens adultos gostam de ir e, consequentemente, de morar.

Subi até a Avenida Paulista, peguei o metrô e cheguei na Brigadeiro.  Eu não sou paulistana, nasci e morei em uma pequena cidade chamada Extrema, no interior de Minas Gerais, menor do que qualquer bairro de São Paulo. Lá, perto era a casa da amiga que ficava há cinco minutos a pé, e longe era ir à rodoviária que demorava vinte minutos caminhando. Mas acho que aprendi a ser paulistana, aqui as distâncias são calculadas de outra forma: você pega um metrô ou ônibus e chega no local em meia hora? Então é bem próximo.

Cheguei ao apartamento dele, bem bonito, “jeitosinho”. Da janela vemos a Avenida Paulista e ouvimos o trânsito, a buzina, o barulho e a bagunça. Neste lugar tem um fluxo infinito de gente, as pessoas nunca param e a rua nunca fica vazia. Os jovens gostam do movimento e da adrenalina. Às vezes me considero uma senhora diante de todas essas manifestações.

Depois de algumas horas e longas conversas, nos arrumamos para sair, “próxima parada Bela Cintra”. Na rua a cidade ainda não para, é de noite e as calçadas continuam lotadas. Aqui não existe dificuldade para chegar: têm ônibus, metrô, bicicleta, táxi e uber. O mais difícil mesmo é ir a pé.

No meio das conversas, dos drinks inusitados e da boa comida, percebi o quanto São Paulo mescla pessoas diferentes e as convida para todas estarem juntas. Aqui é uma mistura de pessoas, estilos, raças e etnias, isto me fascinou para sair da minha pequena cidade monocromática e vir para a grande metrópole. A cidade nunca dorme, você nunca se sentirá sozinho e sempre terá algo para fazer.  Têm coisas para todos os gostos e têm gente em todos os lugares. Não tem desculpa para não sair de casa, só se você não quiser.

Conversa vai, conversa vem, e o metrô vai fechar e não espera ninguém. Mesmo adorando a baderna do coração de São Paulo, a mistura de pessoas no centrão e as bebidas de rua, desvio da maioria das pessoas que estavam comigo no bar e vou para mais longe. Afinal a garota do interior ainda vive em mim e, apesar de vir para São Paulo por causa da bagunça, gosto mesmo é de sossego, de morar na minha casa de vila, próximo ao Tatuapé, a meia hora de tudo que preciso.

Fabiola Ribeiro

Chuva

Estava caminhando pela Praça da Luz quando deparei com moradores de ruas típicos de São Paulo. Um deles me pediu uns trocados para comprar uma bebida e, como estou acostumada com essa abordagem todo o tempo, disse que não tinha nada e continuei andando para dentro das ruas do Bom Retiro. Foi neste momento que lembrei da primeira vez que vim para cá.

Eu tinha 13 anos e estava em excursão de escola para o Museu da Língua Portuguesa. A única coisa que sabia sobre a cidade era o que a televisão aberta me propunha e não era nada bom. Logo quando chegamos na frente da Estação da Luz, só conseguia prestar atenção nas garotas de roupa curta na esquina e nos senhores de idade enterrados em seus cobertores de jornal. O medo me aterrorizou. Aqui não tinha céu azul e muito menos barulho de pássaro. Imaginei como alguém poderia querer morar nesta imensidão cinza.

Voltei do devaneio e ri de mim, por ter sido seduzida por esta cidade também. Pensei como havia decidido vir para cá, sem nenhum dinheiro e nenhuma expectativa? Caminhei pelas ruas desviando dos vendedores ambulantes e me escondendo do calor. Será que não cometi um erro vindo para cá? Aquela menina de treze anos tinha certa razão. Aqui vivemos dentro de uma nuvem de poluição e falta de ar. No meio de tanta gente somos apenas zumbis.

Olhei para cima e vi que estava começando a chover, percebi que as pessoas foram ocupando todos os toldos e espaços cobertos disponíveis e só o que me restava era ficar na rua, agora molhada e vazia. Decidi continuar minha caminhada para lugar nenhum e, olhando ao redor, entendi o porquê cheguei aqui para fazer parte desta multidão.

Mesmo São Paulo sendo uma completa bagunça, uma ascensão dos desesperados e os gritos que ninguém ouve, com a rua vazia, pude notar aquele um por cento que me encanta: o mendigo feliz pela água que cai, os cachorros comendo o resto que os outros desperdiçam e os jovens se manifestando para mostrar que são diferentes. E logo vem o tempo depois da chuva, que é fresco e limpo, me mostrando que nem tudo aqui cheira a desgraça.

 

Fabiola Ribeiro

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