Por Erica Franco e Renata Guerra
Coord. Karen Kahn
SÃO PAULO ENTRE FOLHAS E FLORES
Moro na Penha, um dos bairros mais antigos de São Paulo, numa rua de mão única, com movimento de carros bastante intenso para uma rua tão pequena e até mesmo desconhecida. Para os motoristas mais apressados, minha rua serve muito bem para encurtar o caminho e desviar do farol existente na avenida principal.
Numa típica manhã de primavera, coloquei minha cadeira dobravél na varanda para aproveitar o sol e ler as notícias da Folha. Entre uma manchete e outra, fico deprimido com os acontecimentos políticos e, principalmente, com a eleição do novo prefeito, que parece ser tão despreparado para administrar a maior cidade do país.
Com um olho no jornal e outro na vizinhança, me distraio vendo Dona Luísa chegar com sua beleza natural, cabelos presos, vestida de modo simples, mulher de poucas palavras mas de atitude. Dona Luísa é admirável, cuida de seus dois filhos adolescentes, trabalha fora e mantém seu pequeno jardim e a calçada sempre limpos.
Segurando com firmeza uma vassoura de palha, começa a varrer a calçada forrada de flores amarelas. Eu não saberia dizer se há mais flores na copa da árvore ou no chão. Há, ainda, uma variedade imensa de passaros que pousam na árvore, cantam, fazem ninhos, ficam por algum tempo e vão embora. Apenas um sabiá laranjeira está sempre lá, todas as manhãs, cantando no mesmo horário e acordando a vizinhança.
Fico ali observando Dona Luísa, retirar todas as flores da calçada, que vestem e colorem a rua de amarelo. Não tarda para o senhor Zenildo, vizinho da direita, aparecer e fazer sua pergunta habitual:
- Bom dia Dona Luísa, quando a senhora vai pedir à Prefeitura para remover essa árvore? Faz tanta sujeira, dá um trabalho danado pra senhora, e minha casa fica empesteada de flores, levadas pelo vento ou pelos sapatos.
Com toda paciência, e sem demonstrar seus sentimentos de indignação, a senhora responde que a Prefeitura só remove as árvores mortas ou que atrapalham muito a rede elétrica. Exagerou ao dizer que se trata de uma Sibipiruna, um símbolo tão nacional quanto o Ipê Amarelo.
Esta cena não era nova para mim, pois se repetia no decorrer de cada estação do ano. As reclamações do senhor Zenildo diminuíam quando terminava a primavera, voltando com força total com a chegada do outono, quando as queixas passavam das flores amarelas para as folhas marron alaranjadas.
Na minha opinião, este cenário, típico de uma cidade interiorana, parece não acontecer no seio da cidade de São Paulo, nosso maior jardim de árvores e flores; casas e prédios imensos; bicicletas, ônibus, mêtros e carros...tudo ao mesmo tempo. É exatamente isso que mais me fascina e encanta.
Sueli Rocha
Meu Deus! Onde foram parar os cinemas de rua?
Essa foi a pergunta que fiz a mim mesma ou a Deus quando, passeando pelas ruas do bairro onde moro, Vila Esperança, em uma tarde ensolarada de domingo, deparei-me com uma grande fila de pessoas entrando numa igreja, onde há muito tempo funcionava um cinema.
Imediatamente fui transportada às memórias de minha infância e adolescência, quando frequentava o cine Saturno. O próprio cinema já chamava atenção, as paredes laterais simulavam uma galáxia, com estrelas e cometas; o tapete era vermelho, cor de sangue, as cadeiras de madeira escura e as cortinas de veludo preto. Após passar pela bilheteria havia uma grande vitrine com chocolates, balas, doces e chicletes de todas as cores e sabores, uma verdadeira perdição para as crianças.
Ah... e o Lanterninha? era um profissional que ostentava um belo uniforme, calças pretas, blusão vermelho com botões e um quepe. Com uma lanterna na mão, tinha como função ajudar os atrasados a encontrarem seus lugares quando o filme já havia começado e também preservar a ordem. De vez em quando passava pelos corredores e surpreendia os namorados que se beijavam, iluminando seus rostos.
Minha família era humilde e não tinhamos dinheiro para assistir tantos filmes como gostaria, porém aqueles que assisti lembro com detalhes até hoje.
Na Semana Santa ir à matinê assistir "Paixao de Cristo - Vida e Morte de Jesus" - era quase uma obrigação comemorativa que se repetia todos os anos. Ficava feliz em comprar diversas guloseimas, especialmente um doce quadradinho de amendoim, para comer durante o filme. Essa alegria, porém, ia logo embora à medida que o filme avançava e ao final, eu, com tão pouca idade, sempre chorava, me sentindo culpada pela felicidade inicial.
Mas o tempo passou muito depressa Senhor! ... o Saturno deu lugar a um universo inteiro de pequenas cadeiras brancas enfileiradas com um tapete longo e vermelho no centro, estendido desde a entrada até o fim do salão, até parece ser o mesmo tapete de outrora.
Já ao pé do viaduto Vila Matilde, pensei sorrindo, Ah...o cine São Sebastião, esse sim foi inesquecível, onde assisti o primeiro filme para maiores de 18 anos, "Dona Flor e Seus Dois Maridos" baseado no romance de Jorge Amado. Como me esquecer do Vadinho? De Dona Flor? Dos cenários na Bahia? E a música do Chico "O que será que será"? Foi lá o meu primeiro beijo, também flagrado pelo lanterninha.
Diante de tantos pensamentos e recordações, resolvi passar em frente ao prédio que abrigou o São Sebastião e deparei-me novamente com mais um templo religioso, com colunas e fachadas de granito e com um letreiro dourado reluzente. Já não anuncia mais nada.
Resolvi seguir rumo a Penha, agora um pouco entristecida, diante das mudanças, mas confiante em encontrar algum cinema de rua funcionando. Contudo no bairro da Penha, onde existiam três cinemas, o Penharama, O Jupiter e o São Geraldo, um deles foi transformado em estacionamento e os outros dois em grandes magazines de roupas e calçados.
Tentei por alguns minutos descobrir as razões pelas quais os cinemas saíram das ruas e foram abrigados em shoppings , talvez pela segurança ou comodiadade proporcionada por tais centros comerciais, mas mesmo assim , diante de tantas hipoteses não consegui compreender a ocupação daqueles prédios por igrejas e lojas ...só sei que definitivamente algo se perdeu.
Por fim, acabei cedendo à modernidade. Entrei num shopping , dirigi-me ao cinema, comprei meu ingresso, entrei e fui guiada por luzinhas existentes no piso para encontrar minha cadeira... estofada, reclinável, com lugar para copos, um verdadeiro primor.
Apagaram-se as luzes, começou o filme, porém sem querer deixei cair minha carteira e na escuridão tateando a encontrei...aí que saudades do Lanterninha.
Sueli Rocha
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