Todos os sábados, um grupo de 20 a 30 jovens e adultos reúne-se na Casa das Rosas (Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura), para ler e discutir textos de diversos gêneros. Em seguida, os participantes escrevem seus próprios textos para depois compartilhar e discutir suas produções com o grupo. Trata-se do Projeto Escrevivendo, oficina de escrita e literatura dividida em módulos temáticos que duram aproximadamente dois meses cada um. Novos integrantes podem ingressar no curso a cada bimestre.
Karen Kipnis e Gilson Charles do Santos ao lado de participantes do projeto em 2006 na Casa das Rosas
A ideia começou em 2005, durante o Projeto Textando (minioficinas de redação), estágio de alunos do curso de Letras da FFLCH na Faculdade de Educação da USP. Depois das discussões de propostas de oficinas de leitura e escrita para oficinas gratuitas destinadas a um público adulto, o desejo da então aluna Karen Kipnis era continuar esta prática depois do estágio, tendo como base toda a teoria que haviam estudado durante o curso. Mikhail Bakhtin e Lucy Calkins, entre outros autores, foram sua inspiração.
Em março do ano seguinte, Frederico Barbosa, diretor da Casa das Rosas que já havia cedido espaço para o Projeto Textando em 2005, reconhecendo a importância social de oferecer aos cidadãos um projeto sistemático de valorização da leitura e da escrita em espaço cultural público, convidou os professores Karen Kipnis e Gilson Charles dos Santos, que também havia participado do Projeto Textando, para continuarem desenvolvendo um projeto sistemático envolvendo reflexões sobre linguagens e práticas de escrita e leitura, agora nomeado Projeto Escrevivendo.
Desde então, o Projeto Escrevivendo nunca mais parou e já ofereceu oficinas em outros centros culturais, como a Biblioteca Temática de Poesia Alceu Amoroso Lima, o Museu da Língua Portuguesa e a Biblioteca de São Paulo, sempre sob a coordenação de Karen Kipnis e com mediação dela, de estagiários e de professores convidados, além da participação de diversos palestrantes.
Marcado pela heterogeneidade
Cabe todo mundo no Projeto Escrevivendo, de jovens a idosos. Não importa a ocupação, nível de escolaridade ou local de moradia do participante. O que os estudantes, profissionais e aposentados que procuram o projeto têm em comum é o desejo de expressar-se através da escrita de maneira cada vez mais eficiente e original.
Alguns têm objetivos bem específicos. É o caso de Edson Marçal, que trabalha na Discoteca do Centro Cultural de São Paulo respondendo às consultas sobre o acervo. “Em meu trabalho, diz Edson, o e-mail é a ferramenta de comunicação com os consulentes e colegas. Gostaria de poder registrar o resultado de pesquisas e também escrever algumas biografias.”
A professora de inglês Eliana Oliveira Santos, que participa de cursos na Casa das Rosas há cinco anos, adora escrever desde que foi alfabetizada. “A poesia sempre me encantou (...) e agora estou totalmente focada em melhorar minha escrita. Assim que esse processo estiver amadurecido um pouco mais, quero publicar meu livro.”
Há “escreviventes” que demonstram uma verdadeira paixão pela literatura e pela escrita. É o caso de Etelvina Kazuko Massuda, que participa de vários cursos por semana, em diferentes locais. “Trabalho em escritório, no setor de administração e finanças. Levo marmita para escrever no horário do almoço, único horário disponível”, conta ela. Etel, como é chamada pelos colegas, matriculou-se num curso noturno de letras, mas não pôde cursá-lo porque chegava sempre atrasada ao local. Depois que descobriu a Casa das Rosas, já fez “incontáveis cursos”. Faz parte dos poetas da Casa, participa dos saraus e da turma do Cricri (grupo formado após o curso de Frederico Barbosa sobre crítica literária).
Eugênio Weiss, engenheiro, inscreveu-se no curso quase por acaso. A Casa das Rosas faz parte de seu roteiro de caminhada diária e ele elegeu o café do local para encontrar-se com amigos. Um dia, leu a programação das oficinas, hesitou um pouco, mas acabou ousando e se inscrevendo no módulo sobre cartas. “Acho que estou me dando bem. Um pacote que envolve criatividade, amizades, romance, memórias. Estimulante. Minha vida ficou mais rica, com possibilidades que nunca tinham passado pela minha cabeça. De alguma forma, sinto-me associado à Casa das Rosas.”
Lendo o texto para o grupo
O compartilhamento dos textos com o grupo é fundamental na metodologia do Projeto Escrevivendo. Karen Kipnis, coordenadora do projeto, explica: "Quando lemos um texto de nossa autoria para ouvintes interessados, penetramos no círculo dos autores e nos identificamos com eles. A autoria é um processo que envolve novas maneiras de alguém se relacionar com a leitura, então lemos mais criticamente. Segundo Lucy Calkins, o fato de alguém ser um autor modifica sua maneira de ler. Não estamos aqui falando de uma técnica infalível, mas de uma metodologia que conta com uma conjunção especial de fatores: espaço, grupo e mediação."
Para os escreviventes, o momento da primeira leitura em voz alta pode ser emocionante e, algumas vezes, difícil. Samia Schiller, que frequentou o Escrevivendo durante um ano e três meses, descreve assim a experiência de ler textos de sua autoria para a turma: “Eu fico nervosa, quero muito que todos gostem. Acho ótimo quando acabo de ler, vem um silêncio momentâneo e depois, a discussão de ideias. Gostaria de saber ler melhor em voz alta (...), é muito importante saber interpretar seu próprio texto.”
Ingrid Moradian, que está no projeto há quase três anos, acha necessário expor-se às críticas construtivas da turma. “É preciso dar a cara para bater, o texto estando bom ou não, só assim você saberá o que precisa melhorar, cortar, acrescentar”, diz ela.
Aprendendo a ouvir e a criticar construtivamente
Falar sobre o texto do colega nos leva a pensar em nosso próprio texto. Da mesma forma, ouvir com atenção os comentários feitos pelos outros sobre o que escrevemos pode transformar nossa escrita e torná-la mais eficiente e original. Esta é a metodologia simples em que se baseia o Escrevivendo.
Sandra Schamas, participante do projeto de 2006 a 2011, declara: “Curti quase todos os módulos, pela oportunidade de ouvir e ser ouvida sem preconceitos. (...) No Escrevivendo encontrei um lugar para aprender a discutir, aprender a criticar com cuidado e aprender a ouvir críticas. Isso é muito difícil, mas é possível se você está aberta ao crescimento.”
Discutindo os textos em pares
Depois de escreverem um esboço e fazerem as primeiras modificações em seus textos, os escreviventes compartilham e discutem, em classe, as suas produções com um colega.
Sobre esse momento do processo de trabalho, Ingrid Moradian declara: “Algumas pessoas têm o senso apurado e sabem apontar o que realmente precisa melhorar no seu texto, o que ajuda muito. Outras fazem uma análise superficial. Outras vezes, você faz apontamentos no texto do outro que auxiliam na construção do próprio texto. É enriquecedor.”
Segundo Samia Schiller, a experiência de discutir sua produção escrita com colegas lhe ensinou muito: “Aprendi a ser mais clara, a escrever textos curtos, diretos, a melhorar meus parágrafos, me colocar melhor nas frases, analisar com respeito e atenção a produção de outros, tentando ver qual era o objetivo do escrevivente e como ajudá-lo a chegar melhor ao resultado pretendido”.
Outro depoimento relevante sobre o compartilhamento de textos em duplas é o de Paulo Araújo da Cruz: “Quando trocamos nossos textos, entramos na parte vida da escritura. Aí, não dá mais: tomamos contato íntimo com o 'eu' escritor do colega em frente e é como se um pedaço de sua vida, de sua carne, de seu espírito nos fosse dado de graça, de forma generosa, em nossas mãos. E aí o texto com mãos, olhos e cabelos vira um pré-texto, que se faz novo, se refaz nas letras de sua boca, e eu devo opinar, dizer algo, se algo ficou confuso, não funcionou. É marcante para aqueles que passam por essa troca, pois a escrita é a vida em palavras, é escrevivida ou escrevivendo.”
Chegando à versão final
Após o compartilhamento em duplas, os textos acabam sofrendo novas modificações. Em seguida, é a vez do professor fazer uma correção final das produções textuais do grupo. Numa aula posterior, os problemas mais comuns são comentados com a classe. Geralmente, são questões relacionadas à gramática, pontuação, paragrafação, uma vez que clareza, coerência e coesão já foram verificadas ao longo do processo.
Na opinião de Sandra Schamas, um dos pontos positivos do projeto é que o Escrevivendo não enfatiza demais a gramática e um estilo padrão, num primeiro momento, permitindo que as pessoas simplesmente criem e se soltem na escrita.
Publicando num “blog”
Depois das correções finais, os textos estão prontos para publicação no “blog” do Projeto Escrevivendo (www.projetoescrevivendo.ning.com) e nos “blogs” pessoais dos participantes. Incentivados pelos mediadores, motivados pela receptividade dos colegas e pelo desejo de compartilhar com mais pessoas a sua produção textual, vários participantes do Escrevivendo têm criado “blogs” pessoais durante sua participação no projeto.
Um exemplo marcante disso é o caso da professora aposentada Neuza Guerreira de Carvalho. Ela participou do projeto durante três anos, iniciou o “blog” pessoal www.vovoneuza.blogspot.com e atualmente, aos 80 anos, cuida também das publicações sobre a Metrópole no siteTopblog. Neuza afirma que a participação no Projeto Escrevivendo lhe deu mais segurança para escrever. “Blog não é brinquedo, diz ela, tem muita pesquisa, muita revisão, muito cuidado com a gramática e a ortografia. Nisso o Escrevivendo me ajudou muito.”
Atmosfera de confiança e acolhimento
A ênfase na cooperação entre os participantes, assim como a própria natureza do trabalho de escrita acabam favorecendo a criação de uma atmosfera muito propícia à criatividade.
Para Neuza Guerreiro de Carvalho, a atração maior do curso foi a espontaneidade e o respeito entre os participantes. “O compartilhamento de textos e de experiências foi crescendo e laços de amizade se consolidando. Acabamos ficando como um 'clube'”, conta ela.
Para ilustrar este sentimento, transcrevemos aqui parte de uma mensagem escrita por Sandra Schamas aos amigos escreviventes do módulo "Memórias" (2008):
“Conseguimos uma unidade na diversidade. (...) foi um tal de revelar cicatrizes, internas e externas, visíveis e invisíveis, que eu acho que um pacto de sangue, sem querer, aconteceu. Agora não tem mais jeito, estamos unidos para sempre. Mesmo que não nos encontremos mais, cada um estará presente na vida do outro, unidos pelas “Memórias”. Seremos eternos escreviventes.”
Minha experiência como “escrevivente”
(colocar imagem)
Concha Celestino, autora desta reportagem, dá seu depoimento.
Sou professora de língua inglesa e só comecei a me dedicar com alguma regularidade à escrita criativa depois que me inscrevi no Escrevivendo, em 2008. Desde então, já participei de vários módulos: Memórias, Memórias Eróticas, Seres Imaginários, Crônicas, Blogagem, Falas de Amor, Sonhos, Canções e este sobre reportagens baseados em Cosmópolis, reunião de reportagens escritas em 1929 por Guilherme de Almeida.
No projeto, acostumei-me a ler com e para os outros. Isso me dá uma noção de como o que escrevi repercute no leitor e do que precisa ser mudado ou cortado. Nas oficinas, conhecemos pessoas com olhares muito variados, leitores/escritores cujos comentários são estimulantes e preciosos. Estamos todos juntos no desejo de progredir.
No processo de trabalho com a escrita, descobrimos que êxito ou fracasso são perspectivas mutáveis. Um texto inicialmente ruim pode, eventualmente, acabar ficando bom. Primeiro, trata-se de escolher o gênero, a forma e a linguagem adequados para o que queremos dizer. Depois, polir, esfregar e enxugar as frases, incansavelmente.
Refletindo sobre o Escrevivendo
Gabriela Rodella e participantes do projeto na Casa das Rosas
Entrevista com Gabriela Rodella, uma das professoras do Projeto Escrevivendo
Como professora de alguns módulos do curso, o que você gostaria de contar sobre o projeto e sobre sua experiência como mediadora?
(...) Considero que a proposta do Escrevivendo realmente dá resultados e isso me empolga. As oficinas (...) têm como fator mais importante o espaço de confiança que é criado, no qual as produções dos participantes podem ser lidas, ouvidas e discutidas. Essa é justamente a dinâmica desenvolvida pela Calkins: falar sobre o texto de colegas nos leva a refletir sobre nossos próprios textos. Assim, uma comunidade de leitores-escritores surge a partir do trabalho em sala de aula.
Já trabalhamos (Karen, Nedilson César e eu) com crônicas sobre São Paulo, crônicas de Guilherme de Almeida, textos argumentativos, cartas, textos sobre leituras, sobre sonhos… Cada oficina é especial. É muito interessante perceber como a escrita dos participantes ganha corpo e se transforma a partir da escuta e do olhar dos colegas.
Qual é sua expectativa em relação a este módulo "Cosmópolis"?
(...) Tenho a impressão de que os diferentes olhares criarão textos muito particulares sobre diversos aspectos da cidade e que poderemos construir um painel especial dos espaços que percorremos em nosso dia a dia. Gostaria de poder trabalhar os textos em profundidade e de dar-lhes ainda um tratamento gráfico, já que muitas dessas produções certamente envolverão textos e imagens. Vamos ver o que surgirá. Uma das coisas boas de trabalharmos com a escrita é a surpresa!
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Tags: escrevivendo, escrita, leitura, oficina, reportagem
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