Por Laion Castro
No último encontro, eu havia entregue, aos presentes, cópias de três crônicas de Otto Lara Resende que tratavam de aspectos importantes das cartas. Assim, comecei com a leitura desses três materiais.
Primeiramente, lemos "Cartear é bem melhor", texto em que Otto fala sobre a presença e o cultivo da escrita e da troca de cartas em nosso país. Para ele, nossa pouca inclinação a escrever, apesar da nossa tagarelice, é um problema cultural que atravessa todas as classes e, de alguma forma, passa longe das inovações tecnológicas e da crescente eficiência do correio. Além disso, pontua a importância de nunca deixar uma carta sem resposta, nem mesmo aquela que o leitor escreve ao escritor -- esta, uma contribuição decisiva para transformar a leitura em diálogo que favorece a criação literária.
Depois, lemos e discutimos "Confidência e indiscrição", em que o cronista colocava em pauta uma questão ética que rendeu excelentes trocas em sala: a quem pertence uma carta? Pode-se ou não publicá-la? Além disso, partimos da citação de Otto de versos de Mário de Andrade ("Ao sol/ Carta é farol") para ler por inteiro o poema em que eles aparecem. A composição poética, parte de uma carta ao jornalista Guilherme Figueiredo, foi lida e analisada de modo a enriquecer o debate em torno da relação entre confidência e indiscrição, esfera pública e privada. Como sempre, até aqui, todos os pontos de vista procuravam ser estimulados a partir da situação contemporânea, que continua a viver, até mais intensamente, esse tipo de dilema.
Encerrando a leitura comentada das crônicas, conversamos, a partir de "Amigos escritos", sobre a possibilidade de manter uma amizade duradoura, marcada por grande intimidade e cumplicidade, por meio das cartas, ainda que os interlocutores sejam pessoas muito diferentes entre si e habitem mundos radicalmente contrastantes.
Voltamos do intervalo com a canção "Ben", do cantor e compositor Rubel. Ouvimos a canção e depois a reouvimos, com o acompanhamento da letra. Posteriormente, analisamos cada estrofe da música, traçando paralelos entre a forma da composição e alguns elementos estruturais típicos das cartas. Em seguida, tratamos dos diferentes tempos presentes no texto, além do tom conselheiro com que esse pai se dirige a seu filho. Com isso, inauguramos o tema da correspondência familiar.
Então, fizemos a leitura -- acompanhada da narração de Eduardo Coutinho, presente em documentário de João Moreira Salles -- da carta que José Freire Silva registra, no livro-caixa de sua farmácia, a seu filhinho Nelson Freire, que se tornaria um grande pianista. Para completar, lemos também um bilhete que o menino Nelson, de apenas oito anos, redigiu, falando de sua vida e de sua paixão pela música. Apoiados no fac-símile do documento, discutimos novamente a importância da materialidade das correspondências, ressaltando ali não apenas a caligrafia, mas a configuração espacial do texto e também os desenhos da criança, que dedicou o registro ao pai.
Foi assim que se encerrou este emocionante terceiro encontro, cujo tema será retomado na próxima aula, com a leitura e análise de fragmentos da Carta ao pai, de Franz Kafka. A propósito deste iminente quarto encontro, após o trabalho inicial de leitura e debate realizaremos a troca em dupla de produções dos alunos e também nos concentraremos em questões específicas de escrita.
Referências
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