Querido Tio Edvaldo,
Como está o senhor? Espero que bem! Como vão meus avós?
Por favor, mande lembranças por mim!
Acho que a chegada desta correspondência deve ter causado uma certa surpresa, mas há tempos que gostaria de dizer-lhe algumas coisas que, pessoalmente, ainda não foi possível.
A nossa última conversa, resultado de mais de três décadas de contatos formais e palavras acanhadas, me deixou muito triste.
Vi nos seus olhos uma tentativa de recuperar o tempo perdido, um ânsia de descobrir um sobrinho com quem nunca dialogou de coração.Me pareceu muito só e arrependido de muitos feitos do passado. Vi, claramente, o cansaço causado pela idade, que não permitia mais aquela rigidez que costumava ter comigo há muitos anos.
Confesso sentir-me culpado, pois faltou-me paciência e o tratei como um velho gagá. Talvez por raiva de todas as vezes em que notei sua falta de modos com as crianças na casa, suas intermináveis reclamações com a televisão ligada, seus comentários retrógrados sobre sexualidade, novos costumes e liberdade de expressão.
Devia ter usado minha jovialidade, minha suposta lucidez, para erguê-lo da depressão em que parecia estar. Desculpe. Fui extremamente egoísta.
Engraçado que, toda vez que penso na minha velhice, me vem a sua imagem. Vejo sua solidão e inabilidade de comunicar-se com as pessoas em mim. Tenho medo de, com o tempo, não entender as mudanças do mundo e me fechar para o novo, como acho que o senhor fez.
Só agora entendi que sua personalidade era resultado de uma vida de frustrações, falta de oportunidades e medos. Não estou lhe culpando por isso. Não mais. Fico só tentando imaginar o que te fizeram na infância, ou mesmo O QUE NÃO FIZERAM. Será que minha avó nunca te deu afagos, abraços, e te fez sentir amado? Será que nenhuma mulher foi capaz de torná-lo, uma vez na vida, um bobão apaixonado? Não sei. O senhor nunca me contou...
Mas saiba que sempre admirei sua dedicação ao cuidar de minha avó, doente e quase cega e as pequenas casinhas em madeira talhada que fazia e, de forma tímida, nos dava de presente. O senhor tinha, ao meu ver, uma alma artística, presa num corpo obrigado a pegar na enxada e cuidar das poucas cabeças de gado que ainda restavam na fazenda de vovô.
Queria confessar que fui eu quem quebrou o seu termômetro,esquentando-o com fósforos. Não foi de propósito. Eu, que devia ter uns sete anos, achava fantástico observar aquela faixa de mercúrio subir, às vezes chegando ao topo, e descer novamente - achava o máximo poder controlar aquilo! Estava descobrindo a natureza das coisas. Molecagem mesmo. Pena que um dia ele estourou...Com medo de levar umas chineladas, escondi embaixo da cama da vovó.
Peço desculpas por não te visitar mais vezes, especialmente quando estava no hospital. É que não lido muito bem com a possibilidade de perda. Não é falta de consideração. É medo mesmo.
Perdoe-me. Poderia tê-lo visitado antes de voltar a São Paulo. Talvez naqueles primeiros dias de 2008, nós tivéssemos tido o primeiros dias de nossa vida em comum. Talvez eu tivesse a oportunidade de dizer o que nunca, nenhum dos dois, teve coragem de dizer em vida: “Eu te amo”.
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Sim, pensei em ir, mas fiquei na dúvida se o Thomas era pequenino demais.
De qualquer forma, os informativos que tenho recebido da Casa, me deixam sempre curiosa para conhecê-la.
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