Saia azul pregueada, blusa branca de mangas compridas, meias até os joelhos, sapato fechado em pleno verão. Voltando da escola elas pegam o ônibus de volta pra casa, falando e rindo ao mesmo tempo, o que é comum em se tratando de adolescentes. Trocam um monte de segredinhos, ambas apaixonadas por algum ator em voga nos anos cinqüenta. Sim, estamos nos anos cinqüenta!
Pegam o mesmo ônibus, embora uma delas poderia pegar outro que a deixaria mais perto de casa, mas assim elas “igualam” o percurso. Não contentes com isso, acompanham-se por mais alguns quarteirões para ficar mais tempo juntas. Papo importantíssimo sobre um possível amor impossível, sonhos distantes, troca de informações sobre amor e sexo ...
Finalmente resolvem voltar para suas casas. Uma delas, além da paixão pelo ator do momento, nutre um amor platônico pelo professor de latim e uma grande e profunda afinidade com o personagem de um livro. Sonhando acordada a imaginação a leva a lugares e tempos distantes. Ah, o rádio: ondas curtas, médias e longas, aliás rádio-vitrola, impossível sonhar sem música, ela é a flor no vaso como diria alguém.
A mãe detesta música alta, Bill Haley e Seus Cometas, Elvis Presley, tem que ouvir baixinho com o ouvido colado na caixa do rádio. Mas a menina também adora música romântica, apaixonada por Rhapsody in Blue de Gershwin. Ao som da música dança, faz pose, imaginando-se uma diva do cinema, espécie de deusa diante de um público hipnotizado.
A realidade sempre estraga tudo e nas provas finais a menina que adora a Rapsódia do Gershwin leva pau em matemática, reprovada! Angustiada resolve entrar para um convento; procura um e passa a freqüenta-lo achando que essa é sua vocação. A Madre Superiora, que por acaso é professora de matemática, simpatiza com a menina e a acolhe com benevolência.
Mas, quando se preparava para definitivamente ingressar na vida monástica, resolve procurar um padre para se aconselhar. O Padre Aldo coitado, eterno mal-humorado, pavio curto, tosse constante por causa de uma bronquite crônica (devia fumar muito), estava num dos seus piores dias. A menina tímida pede uma orientação: – ele arregala os olhos e vocifera: “Se tiver isto (mostra a ponta da unha do dedo indicador), ma isto (era italiano) de dúvida, no entra! Vá embora, vá rezar!”
Coitadinha, murchou. Na verdade ela tinha muito mais do que “isto” de dúvida. Era melhor se esforçar um pouco mais nas ciências exatas se quisesse continuar na escola.
Com aquele jeitão rabugento o velho padre tinha razão, a coisa é séria, se internar em um convento ou monastério só para se livrar dos problemas não resolve a questão.
Como diria Gilberto Gil numa incrível inspiração:
“Se eu quiser falar com Deus ...
Tenho que dizer adeus, dar as costas caminhar
Decidido pela estrada que ao final
Vai dar em nada, nada, nada, nada, nada ...
Do que eu pensava encontrar ..
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