Projeto Escrevivendo

Senta que lá vem texto!!! Turista na Paulista e mais...

 

  O Bom Samaritano                                                                  Por Paulo Rogério

 

O céu mostra-se na parte superior da tela. Um céu carregado de baixas nuvens em tons de azuis e cinzas. Por baixo destas, bem no meio da tela, um senhor vestido à moda árabe tentando colocar com muita dificuldade, um outro homem, este muito ferido sobre um cavalo. Toda a ação se mostra complicada, difícil mesmo e o ferido tem o rosto cheio de dor, mas parece que vai dar certo, o ferido vai ficar equilibrado sobre o cavalo que imóvel com as orelhas em pé faz a sua pequena parte, naquilo que podemos chamar um resgate. À esquerda, olhando para a tela, nós vemos outros viajantes e a estrada seguindo adiante parecendo se perder naquele céu conturbado.

 

Um tempo depois, vendo que estava tudo certo, o nosso amigo faz um som com a língua e a marcha tem inicio e eles seguem ploc, ploc, ploc, e lá vão eles, descendo e subindo e só o que se ouve é a batidas das patas do cavalo naquele chão poeirento. Ploc,ploc, ploc. Até que deram numa região, aqui bem próxima da Avenida Paulista.

 

O Alazão todo suado percorria a trilha em trote maneiro, cuidadoso, ciente da valiosa carga que trazia e também, é claro, porque a trilha permitia um fácil avanço. Acostumado a percorrer estes campos, o alazão ia sonhando com uma comida abundante, enquanto o sol começava a incomodar. Os céus tinham mudado. Era um céu sem nuvem numa manhã de verão. O senhor à frente, segurando a rédea dirigia a marcha quando chegaram em frente ao hotel Blue Tree Paulista, na Peixoto Gomide.

 

- Ahn!! Faz o senhor – “Eis uma hospedaria decente”, pensa ele e enxugando o suor de testa prepara-se para carregar nos braços o homem ferido vestido somente com um calção azul e um  pano amarrado na testa. Por fim, os dois entraram no hotel e logo veio uma cadeira de rodas e tembém o gerente. A este, o nosso conhecido disse: “Cuida deste homem e, se alguma coisa gastares a mais, eu te indenizarei quando voltar”. Montou no alazão e se partiu.

 

O peregrino pasmo com tudo aquilo, caiu no colchão de água quente e...Acordou no sábado de verão com um baita sol que pedia relaz, pedia praia, pedia caipirinha na beira da piscina. Não resistiu, foi para a piscina e lá estava a maior muvuca; todo mundo falando, bebendo, tomando sol e dando pitaco na conversa de todos.  Depois de muita conversa fora, muitas caipirinhas, foram todos de van, almoçar em um dos restaurantes do entorno. Logo em seguida emendaram um Fellini no Cine-Sesc, e dispensando a van, voltaram caminhando pela paulista. Um cair de noite lindo mais do que suficiente para fazer a gente esquecer os nossos problemas e viajar com as luzes dos faróis dos automóveis rasgando a avenida. Vrummmm...Vrummmm...Vrummmm...Vrummm. Passar em frente da Casa das Rosas – foi uma pequena e doce glória. Atravessar a Paulista, ombro a ombro, unidos , confiantes, impressões de alegria. Renata disse que se sentia uma verdadeira turista – “Quantas vezes passei na frente do MASP e não entrei?”, dizia ela – “E, amanhã, vamos ver esta exposição aqui, olha” – apontou Luiz um quadro em frente do MASP onde estava afixada a programação. A exposição chamava-se “O Resgate” e era uma exposição dos quadros dos pintores pós-impressionistas holandeses na avenidacom Vincente Van Gogh no meio. Encontramos um grupo de pessoas, hóspedes do hotel, que estavam esperando a vanpara irem a um restaurante japonês e fomos juntos. Amo tudo isso, maravilha de tanta riqueza, muitos cinzas brilhando-piscando em azul metálico, como se o céususpendido pelos prédios que são enormes  templos de uma religião que é mais da conta, deixa a gente afunhannhado. Oh!! Será que estou condenado a provar o que me é estranho, como uma canção que me é desconhecida a letra? O que eles estão pensando? Engraçado...São Paulo tem de tudo. Vrummmm...Vrummmm...Vrummmm...

 

 Chegaram ao hotel bem tarde naquela noite, apertos de mãos , despedidas e tchauzinhos. Domingo sol de brigadeiro. A figura acordou fazendo careta e arregalando os olhos frente ao espelho. Dormiu como uma pedra. Sentia umas dorzinhas ainda, principalmente nas coxas, mas nada que incomodasse muito. “let’sgoto piscina!” bocejou e em pouco tempo estava lá. Estavam todos lá, ficou satisfeito quando viu a mesa do café, posta ao lado da piscina, cheia de frutas, pães, geleia, e croissants deliciosos, oui...lá, lá, queldélice! E todos comendo, e todos conversando e rindo.Era um grupo pessoasalegres, bem homogêneos, que aproveitando as mordomias de um hotel internacional viraram turista de fim de semana em São Paulo. Antes do almoço foram de van visitar a feira de antiguidades no vão do MASP, muitodivertido, principalmente a chegada hollywoodiana, eram estrelas. Mudaram-se os papéis. A cidade era o espetáculo, mas eles também davam o espetáculo. Eram um outro tempo e lugar. Eram consumidores e também mercadorias. Por volta das duas horas da tarde encaminharam-se a uma cantina perto do museu. O peregrino, agora conversando animadamente com o casal de argentinos, não sentia nenhuma dor, caminhava com desenvoltura. A cantina estava cheia e foram obrigados a esperar mesas embaixo de frondosos flamboyant, saboreando um bom vinho ao som de lindas canções napolitanas.  O lugar era esplêndido, as toalhas eram de fino linho ricamente acabadas em ponto Ajour. Fuzili, coxas de carneiro fumegante, suaves vinhos brancos e o almoço no terraço: sugestão muito europeia. O grupo já era uma família. Renata estava a turras com Luiz, que agora conhecido como japa, só tinha olhos para Paula, estudante de moda da FAAP, que de repente se viu interessada em aprender castelhano com Juan, Boca Juniors como o Luizão. Eram impagáveis. Eram todos por um e um por todos. Nesse tempo voltaram para o hotel somente pelo tempo de trocarem de roupas, fazer o toalete, deixa eu mijar pô, pegar algo e voltar para a van que ficou esperando e ir para o Masp, ver a exposição dos pintores holandeses. Muitas brincadeiras, tiração de sarro com o motorista, todos nos seus lugares e chegada em alto estilo.

 

Quando eles chegaram encontraram uma fila enorme e muita aporrinhação, por fim todos conseguiram entrar no museu. Bem na entrada,foi colocada uma grande escultura e foi aí mesmo, bem na entrada da primeira sala que o peregrino voltou a sentir dores,  mas umas dores que eram ondas que vinham dos pés e chegavam até o pescoço. Ele deu uma respirada bem fundo, sesegurou na escultura, esperando que essas dores passassem. Quando deu uma aliviada, a Renata que ao lado nada percebia, com um leve gesto o ajuda a chegar a sala do meio. Mas, lá as coisas pioraram, infelizmente. As dores do corpo choraram como bebês, as cicatrizes vibraram como ponte pênsil e ele rodeado por Renata e agora Luizão se aproximam de uma tela que no centro da sala atrai e afasta e frente a frente, cambaleando, chorando e gritando o espancado vai que ferros retorcidos projeta-se contra a tela e esta o atrai, suga-o mesmo como um buraco negro resgatando-o em luz. Porventura fractais, porventura crepusculares? Ou um mero anão de jardim? A paz esteja convosco. A tela é“O Bom Samaritano” pintado em 1890 por Van Gogh.

 

 O fato foi que ninguém reparou na não presença do meio morto. O grupo estava completamente extasiado pelos quadros;os seguranças haviam se colocado junto as paredes e, com as mãos nos bolsos, ficavam mexendo nas moedas de hum real, numaatitude que certamente não incomodava ninguém.

 

 

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Tags: Av.Paulista, escrita, leitura, oficina

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Comentário de Samia Schiller em 19 fevereiro 2011 às 6:34
Adorei esse texto do Paulo Rogério. Também gostei do primeiro que ele fez no estilo do Haroldo de Campos. O Paulo escreve de maneira tão criativa e corajosa. Acho que ele tem uma fã. rs

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