Projeto Escrevivendo

Venho por meio desta (como se dizia antigamente) interceder por essa senhora que vos fala,  avó de um neto, já uma idosa, cansada e iludida durante a vida toda pelo Sr. Chico Buarque. Peço que ele seja incriminado por tudo o que me fez passar. Vou lhe contar minhas amarguras.

Escute, por favor, me ouça. O que vou lhe falar  é uma história longa que merece o seu respeito e consideração. Por favor, não ria.

Veja só: quando nós dois, não o senhor e eu e sim  ele e eu éramos dois jovenzinhos - devo confessar- ele só um pouco mais velho que eu -  me apaixonei pelos seus (dele, claro)  lindos olhos, que hoje todo mundo diz ser cor de ardósia, sei lá, só sei que eram e, até hoje, são lindos.

Vamos continuar com minha petição. É  assim que se diz no jargão da justiça, né?  Senhor, ouça- me bem, tenha dó de mim! É o seguinte: eu dizia que éramos dois jovenzinhos, não ria , por favor, ouça: ele gravou uma música que mexeu com meu coração, fiquei louca, apaixonada, dizia assim: “A sua lembrança me dói tanto

                       Eu canto pra ver

                       Mas só sei dizer

                       Um verso banal

                       Fala em você...”

Ate o senhor, que não conhece nadinha da vida, gostou “né”? Ficou com essa cara de embasbacado.

Continuando: eu estudava num colégio de freiras, falava dele o dia todo para as minhas  amigas, elas também loucas por ele, as freiras deviam até sonhar com  aquele ser que chegava a ser uma imagem para idolatrar. Daí, o que acontece? Ele lança um compacto – sabe o que é isso Sr. Doutorzinho? Sabe? “Não chore ainda não

                                                    Que eu tenho um violão

                                                     E nós vamos cantar”...                                          

 Pois é, lindo ... E, eu, apaixonada.  Sonhava com  ele todos os dias, vivia aos cantos pensando nele, minha mãe me dizia: “Filha, pare com isso, procure um namorado, artista é tudo obra do demônio, nunca vai dar em nada”.

Agora, veja o que o danado fez, casou-se com uma tal de Marieta, se mandou prá Roma e me deixou aqui “a ver navios”. Eu esperando por ele, demorou, demorou e  ele volta com a Marieta e uma filhinha, pode isso? Vamos lá, eu também não sou santa, vou ficar esperando por um que não me quer?  Me casei, tive meus filhos, mas lá no fundo do meu coração continuava nutrindo minha paixão.  

Separou-se da Marieta e não se sabia de novos amores, até que um dia a “Caras”( sabe o que é? Aquela revista de cabelereiro que a gente só olha e não admite que lê, já viu?) traz a notícia: Chico aos beijos, numa praia do Leblon, com uma mulher casada, que não era eu. Desmaiei, sofri, ” chorei até  ficar com dó de mim”... Dá prá acreditar?

Um dia, por obra do destino, vou morar no Rio de Janeiro, suprema felicidade, respirar o mesmo ar que ele, talvez chegar até a vê-lo, sonhos, sonhos... que acontecem: estava, eu, no carro, com meu marido, e eis que vejo, subindo a pé, quem? Chico, de shorts, tênis e lindo, sorrio  para ele e total alegria, “explode coração”, ele corresponde. Alegria, essa, que  dura pouco, pois meu marido comenta:” ele não sorriu para você, ele riu de você”. Por favor, não ria do sofrimento alheio, pense no que isso significou para os meus brios, para a minha alma despedaçada.

 Durou pouco minha vida de Rio de Janeiro, Leblon, Dois Irmãos, Pão de Açúcar,” suor e samba”. Volto lá pro meu interior de “r” acaipirado.

Doutor, por favor, continue me ouvindo. Escute meu apelo. O senhor deve também  ter tido amor não correspondido, sofrido e doído.

Meu querido compositor resolve escrever  livros, que eu lia como se fossem obras dos céus, continua também compondo músicas, indo para Paris, eu ficando na minha vidinha caipira, de interior, sem Champs Elisès, sem La Madeleine, sem Notre Dame, sem Louvre,  mas sempre bem informada sobre suas andanças, curtindo sua vida.

Sua música sempre me acompanhando, eram como que compostas para mim: “ As minhas meninas, pra onde é  que elas vão”... como se fossem para as minhas filhas que já estavam crescendo, namorando, “ficando” e também se apaixonando pelo danado do Chico.

Os anos foram passando, minha idolatria aumentando, as músicas sempre embalando minha paixão, era um tal de “Preciso conduzir

                                         Um tempo de te amar

                                         Te amando devagar”...

Compro tudo o que sai sobre ele, livros, revistas, tenho todos CDS, conheço a vida dele inteira, sei onde mora, o que come, sei quase tudo.  Toma um vinho que se chama  Brunello de Montalcino, êta nome mais esquisito. Sei mais dele do que de mim. Torce pro Fluminense. Sou Fluminense desde criancinha. Sabia que joga futebol de fim de semana? Seu time é o Politheama, conhece doutor?  É muito amor não correspondido, muita paixão recolhida pra uma vovozinha na “melhor idade” - já viu expressão mais  idiota?

Continuava com...”Não se afobe não

                                   Que nada é prá já”...

E agora, nós dois avós, pensei que ele fosse, afinal, sossegar, só escrevendo livros, cuidando de netos, vivendo a vida da “sua maturidade”, mas não é que o ingrato, esquecendo da minha fidelidade canina, resolve se apaixonar por uma menina de “cabelos cor de abóbora”, criança ainda, só vinte e poucos anos. Escreve prá ela : “meu tempo é curto, o tempo dela sobra.” E eu, que sempre fui louca por ele, não tenho mais esperanças, não encontro forças  pra continuar com minha paixão.  O que faço? Me descabelo? Me desespero? Choro?

Só há uma saída: peço que ele seja condenado.

Até a sentença eu proponho: que faça uma música só prá mim.

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Tags: as, canções, escrevivendo, escrita, leitura, oficina

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