Projeto Escrevivendo






Noel é o nome dele, minhas amigas lá da fábrica vieram me contar. Disseram também que é rico, está estudando medicina, faz música com os amigos e é um “boa-vida”. Finjo que não vejo quando ele me espera na esquina do trabalho, mas de longe observo ele me esperando.

Não gosto daquele perfil, parece que não tem queixo. Minha avó costumava dizer que queixo e nariz são sinais de caráter. Se é assim devo ter muito caráter porque meu nariz é grande, não gosto dele. Na verdade não me acho nem um pouco bonita, não sei porque o Noel fica me olhando daquele jeito quando passo. Sinto vergonha, quando passo por ele queria que a terra abrisse para eu cair dentro, já cheguei até a tropeçar.

Tenho vergonha de ter que trabalhar nessa fábrica de tecidos, mas depois que papai morreu as coisas ficaram difíceis lá em casa. Quase chegamos a passar fome. Quando papai era vivo me incentivava a estudar, chegou até a pagar algumas aulas de piano para que Dona Eulalia, nossa vizinha professora, me ensinasse a tocar. Sinto saudades, com ele éramos pobres mas com dignidade.

“Moças de família não trabalham fora, não fica bem. Têm que aprender de tudo para serem boas donas de casa, até tocar piano.” É o que costumam dizer nossos parentes, principalmente minhas tias mais afortunadas. Parente só é bom quando tudo vai bem na vida da gente.

Noel ... porque ele faz isso comigo, o que quer de mim? Ontem levei um susto enorme quando barrou minha passagem na esquina e me encarou de frente como se fosse dizer alguma coisa. Fiquei tremendo, achei que ia desmaiar. Quase não dormi esta noite, pensando nele, no jeito como me olhou, nesse sentimento que me deixa confusa.

Um amigo do Noel veio dizer pra uma amiga minha que ele está sofrendo muito por minha causa, que até já compôs uma música falando sobre mim e minha indiferença. O que eu faço? Não sou esse tipo de moça extrovertida, capaz de olhar para um homem sem constrangimento. O pior é que além da vergonha existe o orgulho, não quero que ele pense que sou leviana, uma qualquer que ele pode abusar.

A Brígida, chefe da minha turma na tecelagem anda dizendo que o Noel é boêmio, gosta de beber e é mulherengo. Pra falar a verdade não gosto nem um pouco da Brígida, pessoa grosseira e vulgar que gosta de falar mal dos outros pelas costas e além de tudo é invejosa. Só a suporto porque não tem outro jeito.

Papai do céu me ajuda, quero entender o que está acontecendo comigo. Será que é amor? É isso que estou sentindo? Amor por alguém que finjo ignorar, desdenhar. E a música que ele fez pra mim, será que é verdade? Minha Nossa Senhora das Graças, me ajuda a criar coragem de olhar pro Noel quando passar por ele, amanhã quem sabe ...

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Tags: As, Canções, escrevivendo, escrita, leitura, oficina

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