Projeto Escrevivendo

SEGUNDO ENCONTRO DO ESCREVIVENDO POESIA

O segundo encontro do Escrevivendo Poesia foi dedicado inteiramente às produções dos escreviventes. A proposta era que cada um escrevesse algo a partir de uma sensação. Não conseguimos esgotar a leitura – e as leituras – mas foi de um prazer imenso poder ver, se construindo, esse olhar: misto de generosidade e crítica.

Talvez esse seja o momento mais importante de um encontro como o Escrevivendo. Ver surgir, por um lado, um impulso e uma voz que não se cala e não se nega diante as centelhas do mundo (acho que todos os participantes escreveram algo) e, por outro (ou, talvez, por dentro desse primeiro impulso) ver as políticas da amizade em ação: cada um de nós oferecendo o seu olhar, o seu sentir e as suas sugestões para os textos dos colegas.

Já falamos um pouco sobre a fundamentação dessa troca, que visa estabelecer, ao mesmo tempo, uma postura crítica e um lugar, tanto de autoria quanto de leitura. E isso significa que, enquanto comentamos particularmente um texto, as particularidades de um texto, estamos também trabalhando sobre conceitos mais gerais, desde a forma e a tradição até a recepção e a intencionalidade. Assim é que, pelo material (pulsante) que é trazido, pudemos contextualizar, por exemplo, o que é um soneto, um haicai, um poema em prosa, uma crônica...

É nesse fluxo que continuaremos o próximo encontro. Vamos terminar de ler e comentar as produções, que serão todas postadas aqui, depois das devidas revisões... Também comentaremos o poema de Wislawa Szymborska, “CURRICULUM VITAE”, que vai aqui em baixo para que vocês, do NING, possam continuar acompanhando. E teremos mais leituras e mais propostas. Quem quiser, pode suprimir a distância (física) e fazer esse percurso com a gente. Leiam os poemas e enviem seus comentários, seus questionamentos. Também podem fazer os textos propostos e submetê-los à prova de fogo dessa rede de leitores. Porque, afinal, poder dialogar com o leitor e com o autor é um imenso privilégio...

que a semana seja de intensidades.

f.

CURRICULUM VITAE

(Wislawa Szymborska)

Que é necessário fazer?

É necessário preencher um requerimento

E anexar um curriculum vitae.

Qualquer que seja a duração da vida

O C. V. deve ser sucinto.

Recomenda-se a concisão e uma boa seleção dos dados.

Transformar o que era paisagem em endereço.

E as vagas lembranças em datas fixas.

De todos os amores, basta o conjugal,

De todos os filhos, só os que nasceram.

Quem te conhece, não quem conheces.

Viagens, só ao exterior.

Filiações sem as razões.

Distinções sem menção ao mérito.

Escreva como se nem te conhecesses.

Como se te mantivesses sempre à distância de ti.

Silêncio total sobre cães, gatos, passarinhos,

Lembranças, amigos e sonhos.

Prêmios, mais que o valor.

Títulos, mais que a relevância.

Número dos sapatos, e não onde eles vão.

Anexar uma foto com orelhas bem visíveis.

É a forma delas que conta, e não o que elas ouvem.

E o que é que elas ouvem?

Barulho de máquinas de picar papel.

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Comentário de Fabiana Turci em 26 maio 2010 às 17:57
Bruna: conversamos um pouco sobre isso quando lemos o Paulo Henriques Britto. A escolha pela poesia, na forma, é uma escolha autoral. Não temos, por um lado, como descortinar as "verdadeiras" intenções do autor. Mas penso que a escolha pela forma é um modo de estabelecer, também, a intencionalidade de um texto. Não concordo que os poemas (seja o do Paulo Henriques Britto, seja da Wislawa Szymborska) seriam a MESMA COISA em prosa. Podemos discutir, sim, quais os efeitos que eles teriam, se em prosa. No caso do Paulo Henriques Britto, acho que os sonetos tem força justamente porque subvertem a tradição - e ai, a maestria com que ele consegue driblar as dficuldades da forma fixa mantendo a coloquialidade, a conversação, não permitindo a rima na leitura em voz alta, enfim. No caso de Curriculum Vitae (não sei também porque vitae e não vite - vou procurar descobrir), acho que a forma é um grande testemunho de como na poesia importam as "desimportâncias" - um pouco do eco com o poema de Ana Cristina, que na poesia o que vale é a ferida, o que pulsa, e não as classificações, as burocracias, a norma.
Vou oferecer um testemunho pessoal: sempre escrevi em prosa. Uma prosa poética, sim, mas nunca pensei na forma, muito menos em versos, em métrica, em rimas. Até o dia em que um texto me pediu espaços de silêncio, lacunas. Entrei na poesia buscando uma linguagem que fosse feita mais do silêncio do que da afirmação. Você pode ler os meus poemas e dizer que eles poderiam ser prosa também. Sim, poderiam. Mas seriam outra coisa, outro texto, outro significado.
Quero começar o nosso próximo encontro com essa discussão, deveras importante. E vou abrir, aqui no NING, um fórum para discutirmos isso. Minha visão não é final: nunca.
um beijo e obrigada pela colocação
f.
Comentário de bruna nehring em 26 maio 2010 às 12:35
Fabiana, achei "Curriculum Vitae" (aliás porque se pronuncia vita-e, quando - visto que se usa curriculum no latim - deveria-se manter o a pronuncia vite) uma delicia, bem humorado mas sardônico, cinico x caçoadouro, orientador e ao mesmo tempo ameaçador.....o vc faz direito ou o seu vai ao picador....Muito bacana. Agora: pergunto: para que escrever isto em esquema poetico quando o resultado seria absolutamente o mesmo como prosa? aliás provavelmente seria melhor em prosa pois o "natural" que a prosa oferece, daria uma conotação mais paternal a quem se aprestar a escrever um curriculum. O texto, colocado em prosa não precisaria tirar nem por nada: basta que tudo seja, coisa depois de coisa, colocado em linhas corridas, como uma conversação. Talvés a única coisa que justifica a estrutura de poema, é o fato de que o "candidato", se sentiria menos "criticado" em suas intenções e menos enraivado com o autor achando que sendo poema, é menos agressivo e perdoaria ao autor a crítica às intenções ( a vaidade leva a colocar coisas inuteis que-porem ele pensa o engrandeceriam- - A falta de prática (ou ignorância por nunca te-lo feito antes) levam o candidato a ser prolixo e, mais do que nunca a desconhecer completamente aquilo que o "empregador" considera essencial). De resto minha pergunta "para que em versos" se aplica também ao texto anterior de PHBrito......

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