Sobre o Atlântico, contra a maré
David Andrade – 29-01-11
- ”Alemanha?” – indagou, apavorada.
-“ Sim...Alemanha...” – respondi, a voz já meio engasgada.
-“ Mas, logo Alemanha, menino?” – Gritou minha mãe, sempre apocalíptica. –“ Você tem cara de nordestino! Vai ser morto pelos skinheads...tá cheio de neonazistas por lá!”
‘“Diga algo!” – suplicavam meus olhos para meu pai, o “lado” racional da casa.
-“ Só se estudar durante o tempo em que estiver lá. Tem que voltar com algum diploma.” – Isso era o “ok” da forma mais José Ernani possível.
Assim começava a odisséia David contra o mundo. Uma saga com dramas, chantagens e palavras de desencorajamento. Desconfio até de uns catimbós ou rezas para que a luz divina me convencesse do contrário.
No dia da viagem, curiosamente, todos da família tinham compromissos inadiáveis: nada de despedidas no aeroporto. Mas o “cara de nordestino” se virou. Conseguiu carona com um “grande amigo” – mediante promessa de enviar “uma lembrancinha” – com cheiro e preço bem estipulados...
E lá estava, às 18 horas e 15 minutos, pontualmente, no balcão de chek in – conforme dizia na passagem: horário do vôo : 18 horas e 15 minutos .
-” Oi! Vou pra Paris!” – exclamei.
-“ Paris?” – a atendente arregalou os olhos – “Mas o avião está taxiando... 18 horas e 15 minutos era o horário do vôo. Você deveria estar aqui duas horas atrás!”
Talvez não saiba, caro leitor, mas eu havia trabalhado meses para subsidiar minha estadia. Todos meus sonhos estavam na mala. Meu futuro, me esperando na Europa. Nem me atrevia a pensar em não embarcar. Jamais! Não era uma sessão de cinema, à qual se chega atrasado e simplesmente não entra...
Com o mínimo talento mediúnico que devo possuir e ainda com as aulas de interpretação dramática de minha mãe fresquinhas na cabeça, devo ter incorporado algum grande ator já falecido e iniciei uma cena digna de tragédia grega. Lágrimas escorreram, expressões de profundo ressentimento e dor, palavras de cortar corações... tanto fiz, que comovi e convenci a moçoila a passar um rádio, parar o avião e conseguir autorização para que eu corresse pela pista e entrasse no Boeing.
As caras que me receberam não foram as melhores, obviamente. Outra vez, alguma urucubaca deve ter sido lançada contra mim. Apesar de ter chegado a Paris – conexão planejada- , minha mala seguiu um caminho, digamos, um pouco mais para o sul: o continente africano.
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