Projeto Escrevivendo

POR MARIA INÊS ZOCCHIO Ilustração: Carla Caffé

                                      

MEMÓRIAS  DE  MENINA

 

 

O dia ainda não raiara. O escuro a deixava um pouco assustada e ao mesmo tempo ansiosa. Tão ansiosa, que não conseguia engolir sua caneca de café com leite. Muito menos o pão com manteiga.

 

Tudo pronto para a viagem. Pegar as malas, tarefa que cabia ao pai e descer a rua, no escuro ainda, de mãos dadas com a mãe. Sentir o ventinho frio da madrugada no rosto fazia com que seus dentinhos batessem.

 

E lá vinha o ônibus que os conduziria à agencia do Expresso Brasileiro, que ficava ali, numa esquina da Rangel Pestana, perto de onde hoje está a Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo. De lá partiam ônibus para o interior paulista e Baixada Santista.

 

Tudo parecia enorme aos seus olhinhos já sonhadores.

 

Ao microfone eram anunciadas as partidas com destino e horário. Que delícia ouvir o anúncio da saída dos ônibus com destino a Santos e Ponta da Praia.

 

Onde será que ficava  Ponta da Praia? Devia ser um lugar bonito e cheio de sol, pois as moças que para lá embarcavam usavam lenços na cabeça e óculos escuros. Um dia, quando fosse moça e usasse aqueles óculos iria para lá também!

 

Finalmente o anúncio: - Senhores passageiros, com destino a Campinas do horário das oito e trinta, dirijam-se para o embarque e boa viagem.

 

A emoção de entrar, procurar o lugar, acomodar tudo e colar o nariz na janelinha para não perder nenhum detalhe. Afinal, o dia já estava claro, embora ainda com restos de neblina indicando que haveria sol.

 

Pegar a estrada, era na década de cinqüenta do século passado, tomar logo contato com a Natureza, presente na vegetação até então bem pouco devastada. Era entrar realmente na zona rural e ver o gado pastando e muito, muito verde.

 

Mas também era um perguntar sem fim. – Já estamos chegando? E ouvir como resposta: -Falta só um pouquinho. Ah! Como esse pouquinho era bastante! Mas...acabava chegando.

 

E agora...um táxi para chegar até a fazenda e abraçar os avós e tios.

 

Correr livre, ver a ordenha, os porquinhos no chiqueiro, os guaruzinhos no riachinho e tantas outras maravilhas. Chegar para o almoço com o rosto rosado e, para espanto da mãe, com apetite! Limpar o prato repleto da deliciosa comida da avó, feita em fogão à lenha.

 

Ir à casa da avó era sempre uma deliciosa aventura.

 

Foram muitas e  ficaram guardadas na memória e no coração.

 

E a Ponta da Praia?

Fica para outra vez!

 

 

Maria  Inês  Zocchio em 22 de janeiro de 2011

 

 

BALUARTES

 

 

 Parecia tão distante... E era para meus dezesseis anos, mas valia a pena pegar o ônibus para chegar lá. Um mundo encantado para mim. Mundo de histórias e sonhos.

 

O lugar não era tão amplo como hoje mas estava repleto de construções-baluartes de diferentes épocas. As mais antigas remetiam a finais do século XIX. Exatamente aí entravam meus sonhos.

 

Festas e saraus memoráveis, em lindos salões decorados com vitrais,  mármore e outros nobres materiais. Iluminados por enormes lustres de cristal e candelabros de prata. Senhoras e senhoritas de fino trato, muito elegantes. Senhores trajados com apurado bom gosto. Tudo isso financiado pelos lucros colhidos com o ouro verde.

 

Sonhar em ter feito parte dessa época tem a ver com a menina que, visitava os avós que moravam em uma das maiores fazendas de café do estado de São Paulo, somando-se à mocinha que adorava as aulas de História e Geografia.

 

Havia  ainda nesse local, para meus distantes dezesseis anos, a fantástica possibilidade de ir ao cinema. Cinema de rua, hoje em extinção.

 

 

Volto ao local, agora de Metro, sempre com muita alegria. Ando por suas largas calçadas. Dos baluartes antigos poucos restaram. O que se vê são altos e modernos edifícios, sinais da época atual.

 

Continuo andando e entro. E não há uma única vez em que não me lembre de nosso primeiro encontro. De carro com meus pais, passamos em frente e seu jardim chamou-me a atenção.

 

Pode não parecer sério, mas sempre pedia para passar novamente em frente à casa, cujo nome atual é o mesmo pelo qual eu a chamava.

 

 

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Tags: aventura, escrevivendo, escrita, leitura, oficina, viagem

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Comentário de Samia Schiller em 1 março 2011 às 13:26
Lembro da Maria Inês lendo durante o escrevivendo. Ela lê lindamente e adoro seus textos com sabor de lembrança.

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