Quinto e penúltimo encontro do Escrevivendo – e como passou rápido! Começamos este dia recebendo a ilustre e generosa visita da poeta Maria Alice de Vasconcelos. Ela compareceu ao encontro para apresentar seu poema visual “n ó s”. Convidei-a para que pudéssemos aprofundar, a partir dessa experiência de contato com o poema, algumas discussões presentes durante o curso. Antes de mais nada:
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n ó s
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amar:
elo
vermelho
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amarelovermelho
união
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elo vermelho
união-intensa
nós
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(Maria Alice de Vasconcelos)
S. Paulo, 05/2010
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Devo dizer que o poema é composto da parte visual e escrita, como o verso e o reverso de uma mesma coisa, de uma mesma página. Precisamos adaptá-lo para postar aqui. E para a apresentação, Maria Alice mostrou, em um primeiro momento, somente a parte visual – a meu pedido. Eu queria saber como os escreviventes iriam ler um poema sem palavras. Apareceram muitas coisas. A maioria pensou a construção visual como um desenho – e então viram dois pássaros voando, um barco navegando, o símbolo do infinito... A partir dessas associações gráficas, extraíram alguns significados: poderia ser o movimento em relação à libertação? A relação entre pais e filhos? Um mar de palavras sobre as quais, insistentemente, nos debatemos? O caminho para a morte?
(...)
Sugeri que o grafismo, antes de ilustrar alguma coisa, era, já, a coisa mesma. E que havia um percurso narrativo construído a partir dessas imagens, da escolha das cores, das proporções. Então, começamos a olhar o poema sob esta nova ótica, e descobrir nele as intenções. Há um significado ditado essencialmente pela forma, que o poema obriga. Dentro disso, há também lacunas, onde podemos inserir o nosso arcabouço de referências, para significar a leitura. O que pudemos experienciar, na prática, foi como se dá esse processo de leitura do poema, o que a forma carrega em termos de intencionalidade e de significado e onde é possível identificar e fundar o lugar da leitura. Isso se potencializou quando a autora do poema apresentou a metodologia que utilizou para a sua construção. Assim, pudemos identificar, também, aquilo que é próprio da autoria mas não necessariamente dita a recepção.
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Foi um gratificante momento de encontro. Queria registrar, publicamente, meus agradecimentos à Maria Alice, que tão generosamente dividiu conosco essa experiência, e também a cada um dos escreviventes, com seus olhares afiados, sua leitura exigente, observações oportunas e questionamentos, que só amplificaram conhecimentos.
Demos prosseguimento ao encontro com a leitura de alguns poemas produzidos pelos escreviventes e que ainda não tinham sido lidos. Surgiram, a partir desses textos, algumas questão pertinentes à natureza da poética. Escrevemos apenas para expressar um sentimento verdadeiro? É isto que é a poesia? A sua emoção está contida necessariamente na expressão de uma subjetividade? E a partir dos próprios textos dos escreviventes, chegamos a respostas possíveis. Lembramos que tivemos autoras mulheres, no curso, que deram voz a um eu-lírico masculino, que haviam poemas ácidos, críticos, que provocavam e continham emoções, que, portanto, não é apenas o poema confessional que diz o que é a poesia, que serve como parâmetro para uma valoração.
Lemos também, um poema da Hilda Hist e outro do Drummond, que nos ajudou nessa discussão e já serviu como centelha para a próxima proposta.
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Via Espessa.
(Hilda Hist)
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I
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De cigarras e pedras, querem nascer palavras.
Mas o poeta mora
A sós num corredor de luas, uma casa de águas.
De mapas-múndi, de atalhos, querem nascer viagens.
Mas o poeta habita
O campo de estalagens da loucura.
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Da carne de mulheres, querem nascer os homens.
E o poeta preexiste, entre a luz e o sem-nome.
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Arte poética
(Carlos Drummond de Andrade)
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uma breve uma longa, uma longa uma breve
uma longa duas breves
duas longas
duas breves entre duas longas
e tudo o mais é sentimento ou fingimento
levado pelo pé, abridor de aventura,
conforme a cor da vida no papel.
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Para o nosso último encontro, neste sábado, cada um vai escrever um poema sobre o que é a poesia. Não necessariamente este poema precisará ser a expressão verdadeira do pensamento do autor. Sugeri que todos pensassem na forma e adequassem-na ao conteúdo do que vão escrever.
Já com saudade, deixo um beijo e até o encontro derradeiro,
f.
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