Projeto Escrevivendo

Augusto, meu bem,

 

 

Gosto desse nosso sexo ao despertar. Hoje, porém, não te acompanhei correndo ao chuveiro. Estou imóvel, joelhos quase no queixo, olhos fechados. O cheiro azulado de tua loção passou por mim e teu dedo indicador percorreu o desenho de minhas sobrancelhas a caminho da saída do nosso quarto.

Fiquei entre os lençóis, ainda úmida de você, numa posição estranha e aconchegante, com a sensação de um calor desconhecido, renovado.

Sim, por que foi um gesto novo. Uma coisa tão insignificante... sempre foi assim ou foi só hoje que notei?Tenho ainda teu polegar apertando a base do meu ombro esquerdo, enquanto minha axila abriga a curvatura do indicador, teus outros dedos esparramados às minhas costas.

Me dei conta desse novo toque num momento em que, surpreendentemente, me senti arrastada para dentro de você, como se você estivesse me engolindo para sempre.

Quando você sai de mim, você também sente que está me levando dentro do seu corpo?

Hoje, eu mesma vou fazer a cama: não saberia como esquivar-me do olhar da Rosa perante tantas evidências.

E as crianças? Ainda vão me ver se eu fui embora dentro de você? Como vou ajudá-las a fazer a lição de casa sem inserir nos seus cadernos as frases molhadas desta carta que não vou escrever...Queria muito que você, à noite, me perguntasse o que eu fiz o dia inteiro. Responderia que passei o dia fazendo mil coisas enquanto te escrevia essa carta que não vou escrever..

Pois para mim é difícil falar, dizer em viva voz, tudo que eu sei escrever tão bem, quando não escrevo...

 

 

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Tags: cartas, escrevivendo, escrita, leitura, oficina

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Comentário de Samia Schiller em 15 maio 2011 às 14:52

sim, o blog dela é ótimo.

Tem um texto lá, meio antigo, chamado Carta de um suicida está postado no dia 11 de outubro de 2009 que vale a visita. É uma maravilha.

Comentário de Karen Kipnis em 15 maio 2011 às 14:10
Arte e técnica de uma grande leitora. Acompanhem: 'blogbruna'. Bjs, KK
Comentário de Samia Schiller em 15 maio 2011 às 9:25

tão sensual...uma sensualidade feminina...

Já eu gostei da preocupação dela em como retomar a rotina depois de sua experiência.

E também da frase final: "Pois para mim é difícil falar, dizer em viva voz, tudo que eu sei escrever tão bem, quando não escrevo..."

Comentário de Indra Barrios Lasso em 8 maio 2011 às 16:09
Belo texto Bruna! Adorei "me senti arrastada para dentro de você".  Indra

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