Primeira leva de textos dos escreviventes! A proposta era escrever a partir de uma sensação. E o resultado está ai embaixo. Mais textos por vir. Divirtam-se.
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Angústia
(Jonas Moraes)
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Torres fincadas ao chão
O azul celeste
desnudando o entardecer
de Teresina
A dor...
de mais um dia que se foi
O amarelo das luzes
alerta pra noite
que vem chegando
A viagem desliza
numa pista molhada
As imagens-lembranças
afloram para a fuga
de uma inevitável
solidão
e a um destino
totalmente incerto.
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Soneto em forma sonata
(Teofilo Tostes Daniel)
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Meus pulmões sorvem ar cotidiano,
mas algo já parece diferente.
Sequer sei precisar: por mais que tente,
eu não explico o instante soberano.
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O que, intocável, faz que brilhem sóis
sem ter havido nada de sublime?
O que, sem nome ou fato, é que se exprime
na exatidão em que se faz a voz?
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Não sei supor com que eu me assereno.
Será que é parte em mim que ao fim ecoa
ou é, talvez, a imperfeição de um tom?
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Se ar cotidiano faz-me pleno
e enfim me iguala a tudo quanto soa,
passo a existir exato como som.
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SEDA
(Bruna Nehring)
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Mal abro a gaveta, ela imanta-se ao meu corpo. Transforma-se na penugem invisível de minha pele. É quente, macia, natural. E é animal: nasceu de outro ser.
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E ela tem perfume. Não sei se o dela ou é o meu que ela nina feliz.
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Sei que algo dela está sempre comigo. É a feminilidade que minha idade não descartou. É a sensação de que, de mesma forma em que ela nasceu, ela me envolve num casulo que me protege, me acarinha, que não me deixa esquecer o gostoso farfalhar do seu toque.
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Pobres dos homens que, quando muito, a tem debaixo de um colarinho, em cima de uma camisa. Busquem, achem, provem aquela sensação de convite, de aconchego e de delírio que ela sussurra do outro lado de outra pele.
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Os homens de minha vida, sabem.
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FRACTAIS
(Cristina Fonseca Monteiro)
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Sinto necessidade de calar a aflição que vivo neste exato instante. Equivoco-me ao acreditar que posso fazê-lo. Desvio-me ainda mais quando busco, nas lembranças, sentidos que me clarifiquem nesta perseguição errante.
Creio-me sã neste reviver aquilo que passou, certificar-me de que valeu a pena e confirmar que acabou. E assim, evito crer-me morta ao deixar morrer a experiência e acabar sendo enterrada junto a ela. Que engano... Deparo-me com minha própria finitude, com minha impotência diante da vida e com a sensação de minha própria morte.
Não sei ao certo se estou viva ou morta. Estou no meio dos trilhos... Parece que algo não morreu ainda, mas rompeu, descarrilhou, perdeu... E o que é a perda senão a morte disfarçada de outras letras?
Mesmo me sentindo na função de costurar, dar o ponto e cortar a linha, continuo sendo a ferida que não cessa de sangrar.
Preciso fechar esta porta. Mas como? Surpreendo-me no repetido ensaio de fechar a porta, lenta e vagamente. Que desespero é ter que fechar a porta do meu próprio caixão! Será que morrerei de fato? Inteiramente? O que ficará deste outro lado? Como poderei viver sabendo que morri para o outro e que uma parte minha ficou do outro lado da pele, inacessível?
Fecho a porta. Suspiro aliviada. Asseguro-me de que aquilo era apenas uma parte de mim. Olho os cacos. Percebo que não são mais os mesmos. Mas são meus. Mal me reconheço neles... Alguns se perderam, outros ficaram esquecidos... Outros ainda se transformaram, parecem novos. Percebo que eu estava ali, o tempo todo.
Sem me costurar, formo-me num novo corpo, inteiriço. E me reconheço mulher.
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Ondas
(María Cecilia Fernández Uhart)
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Te procuro no mar escuro
secreto
em espumas brancas
que dançam
apenas umedecem a areia
Por não saber onde
começa mar
acaba areia
me perco em ondas
brutas
que se rompem
breves pausas entre si
chamam
cutucam, avisam, sinalizam
olhos perdidos
entre a paz do mar profundo, e o calor da areia suave
Infindáveis nós no encontro
meio a meio
confusos e misturados
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Vazio
(Benê Dito Deíta)
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Que corra
Um rio
A alargar
O leito
Onde repouso.
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Desencrespe
Os meus
Veios secos.
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E encontre
A calmaria
De um lago.
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Uma sensação
(Sandra Schamas)
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Ponta de faca
Prego na estaca
Martelo na bigorna
Péin, péin, pain
Dor que transtorna
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Unha na lousa
Gilete no dedinho
Papel fininho
Metal frio
Água de rio, arrepio
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Absurdo atual
Jogo mortal
Maldade pura
Mania humana
Tortura
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No espelho retrovisor
(Eliana Oliveira Santos)
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No espelho sinto vozes encaledecidas, num tempo lento, lento, lento... me desfaço então.
Num olhar inerte resgato ambiguamente todas as vozes, pálidas vozes.
Vozes presas no meu espelho...
Desalentos? Fúrias? Risos?Melodias?Afagos? Pessoas?
Ímpares mundos por trás meu espelho.
Lenta, lenta, lentamente o espelho se move, entre pessoas e estagnações.
Meu olhar repentinamente desembaça o espelho..mas ainda estou aqui calando minha voz.
Lento,lento ,lento é o tempo que afuguenta...
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Sentidos & Sentimentos
(Sandra Bueno de Camargo)
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Suaves sons: chuva, mar, baleias.
Cantos e encantos: passarinhos, grilos, borboletas.
Uma flor: seu perfume, sua beleza, sua delicadeza.
Gostos e desgostos: doce, salgado, azedo, amargo como o fel.
Tristeza ou Alegria. Treva ou Luz. Nada ou Tudo.
Dentro do mar, dentro da mata, dentro de mim.
Algo surge de repente.
Transparente e pura.
Chuva ?
Água ?
Lágrima.
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Lágrima ?
O que é ?
É um sentimento que se materializou para ter algum valor.
Ou
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(Fábio Santos/ Binho)
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Noite de frio na pele...
todos os medos
a cúpula a cópula a cápsula
todos os pulsos
das ruas das veias das falas
ao longo dos lisos da pele
(um pouco calar-se ao sim
um pouco negar-se o não)
ao longo das letras da língua
(um pouco dormir embalado
um pouco jazer despertado)
arrepios na pele
sejam os suaves dos ventos
sejam os gumes dos dedos
cintilando no silêncio
(um pouco a beira da morte
um pouco um topo da vida).
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(Tânia Alves da Costa)
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Na trilha de rotina
súbita companhia –
uma borboleta.
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