Projeto Escrevivendo

Miniatura

Sono

 

Sem sono, lendo Henry Miller, a horas, tentando acompanhar suas enxurradas de palavras inebriantes, bucetas cósmicas, gargalhantes, histéricas,fedorentas, aveludadas, que mordem, sussurram, falam, vomitam escatológicamente, pênis que martelam, perfuram, assobiam, murcham e morrem de tédio num mundo de Foda e mesmo assim encontrar Deus entre os judeus, chineses, índios americanos extintos, búfalos extintos e no meio da terra, apesar da escuridão ver a luz do self. Num mundo de Foda, nas ruas de Nova York, sujas, no meio do lixo encantar-se com uma folha de couve e ver nela a natureza e a beleza da vida. Excluído, exilado, extra-terrestre, semi-deus, satanás, monstro, mas generoso, solidário, solitário, único, morrendo de rir e de dor, rindo muito, sem motivo, rindo, gargalhando, cuspindo, coçando, se torcendo feito uma enguia, criando asas e voando acima das cabeças de homens-formigas, homens-coelhos, homens-rãs, mulheres judias, chinesas, de outros mundos, de Marte, de Saturno, da Lua, mulher-sol, mulher-buceta , mulher-mineral, mulher-vegetal. Pares de seres, homem-mulher, lésbicas e bichas, eu e a minha solidão, chorando feito criança, sem par, único, livre como um pássaro, sem se importar com o medo ou a morte, com o ego morto, renascido numa vida de sonho, limpo, sem memória de dinheiro e trabalho, divertindo-se com as pérolas e conchas e as estrelas, contando as estrelas e sentindo a pele, os ossos, olhando com olhos de recém nascido, tudo é novo, tudo é vivo, descobrindo, cheirando, fugindo do mundo do dinheiro e do trabalho, caindo na diversão, na alegria de estar vivo, sem um tostão no bolso, sonhando acordado. Escrevendo 5.000 páginas por dia, 500.000 palavras por hora, não importa se sem sentido, como uma convulsão, compulsão, histeria, apenas para afastar a insônia. Palavras que consolem, façam companhia, aqueçam, embriaguem, amorteçam, abracem, escorram, torçam, empurrem, esvoacem, batam, cortem, soquem ou dancem ou chorem ou gritem ou gargalhem ou morram ou matem. Palavras que comovam, esclareçam, dêem esperança, sem se esquecer das bucetas cósmicas e dos pênis duros que nem ferro. Verbo. Movimento. Vida. Criação. Arte. Perfume. O mal- cheiro do mundo para fincar o pé no chão e não sair voando sem direção, sem rumo, em direção contrária ao mundo, em direção a casa, ao aconchego do útero, dentro do self. Juntando pedaços soltos, fantasias, invenções, obsessões, sonhos, devaneios, delírios, desejos, frações de vida, lutando desesperadamente para dar sentido ao caos, perceber o padrão, a ordem. Sem se esquecer da buceta inundada de  esperma da foda recente. Sem se esquecer do nome, do néctar, do som e da luz. Sem se esquecer de viver cada segundo como se fosse o último, a última foda, a última gota, o último alento e depois dormir e sonhar. Na borda do vácuo ver a Verdade. Viver uma realidade melhor que o sonho, melhor que a foda. Numa farra de bruxas loucas e no princípio era o verbo, o movimento. As palavras se calam. Silêncio. Noite. Sono.

 

 

Sonho – Encontro

 

Saímos, eu e minha amiga de um bar e entramos em outro.

Damos uma olhada.

Nada de interessante, ou melhor, ninguém interessante.

Decidimos ir tentar outro lugar.

Saindo, reparo em um homem ruivo, provavelmente um músico, com um violão no colo.

Aproximo-me dele e começamos a conversar, com muita facilidade, como se nos conhecêssemos. Digo-lhe que estou procurando um lugar para praticar minha dança. Pergunto-lhe se é músico. Ele diz que sim. Observo que ele não é muito bonito, mas muito comunicativo. Ele é ligeiramente calvo atrás.

Ele diz que gostaria de tocar para eu dançar e sugere que  estude minha dança neste lugar, em outro horário. Continuamos a conversar longamente. Beijamo-nos.

Vamos  para outra sala, vazia, e pegamos papéis do bar para trocarmos endereços. Os papéis estavam com os endereços do bar e não dava para anotar nada. Pergunto-lhe se tem algum pedaço de papel. Ele retira da mochila, um caderno. Abro- o, e reparo que são exercícios de matemática. Leio no cabeçalho da página: 3º ano. Reconheço os exercícios, realmente são do 3º ginasial. Fico um pouco confusa e pergunto-lhe o que significa aqueles exercícios e o 3º ginasial. Ele me diz que está no 3º ginasial. Levo um susto e pergunto-lhe quantos anos tem.

13, ele responde.

Olho novamente para ele e vejo um adolescente na minha frente.

Penso: meu Deus, isto dá cadeia. Será que posso pedir autorização para a mãe dele?

 

Solange Arruda

 

 

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Tags: escrevivendo, escrita, leitura, oficina, sonhos

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