Projeto Escrevivendo

ÚLTIMO ENCONTRO E TEXTOS DOS ESCREVIVENTES

Esta pequena jornada chegou no seu fim. Ou, ao menos, em um fim provisório, porque a caminhada continua. A conversa também. No sexto encontro do Escrevivendo Poesia retornamos, renovados, ao início. Para aquela pergunta inicial - o que é a poesia? - com a qual nos deparamos, no começo da oficina, cheios de questões, apareceram agora os testemunhos. Das lutas internas, das conciliações, dos mundos que se abrem. Testemunho também daquilo que fundamos, enquanto grupo. O prazer é inenarrável. O aprendizado, também.

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E aqui embaixo, as escrituras deste percurso. As últimas produções dos escreviventes, cada um respondendo a esta pergunta, inquietante e irrespondível: o que é a poesia? Divirtam-se!

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Sortilégio do verbo

(Teofilo Tostes Daniel)

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Mistura bem na caldeira
em que se fervem palavras
toda quentura de lavas
com o frio das geleiras.
Esgarça as próprias fronteiras
sem a força que escalavra.

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Salpica algum lirismo
em postas de sentimentos.
Acrescenta fingimento
e pitadas de abismo.
Tempera com algum cinismo
e sincero enfrentamento.

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Acresce nessa mistura
o esperma tinto de um deus,
confissões de alheios eus
e vozes bem mais obscuras
do interior da estrutura
do que se chama de teu.

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Mais uma porção de sonho,
duas e meia de rua,
a face avessa da lua,
o inefável e o medonho;
assim surge, seminua,
a poesia no entressonho.

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Elimina o preterível.
Ao excessivo põe veto,
deixando o que sobra quieto.
Fala bem alto o indizível
e faze silêncio audível
para o feitiço completo.

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Canto por ti

(Jonas Moraes)

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Oh! Poesia

O sumo canto

Virás de ti

Meu coração palpitarás

A cada verso materializado

Em papel e tinta

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E quando o amor chegar

Sentirei que as palavras

Sagraram do meu peito

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Chamo pelas musas:

Calíope, Erato, Euterpe,Clio,

Terpsícore, Melpomene,

Tália, Polímnia, Urânia

E a deusa mãe-maior

Mnemosine

Que não me deixais cair

Numa vã tentação

De esquecê-la.

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Poesia

(Tania Alves da Costa)

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Resgate lacônico

da beleza do momento −

dezessete sílabas.

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O ÚLTIMO SÁBADO - DIVERTISSEMENT A GALOP

(Bruna Nehring)

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Se o Theo cantasse as rimas da Claire

E se as Schamas da Sandra apagassem

Nas ondas que Cecilia abraça

Se Cristina freudasse o que Luiz não assina

e o Luiz assinasse...

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E se todos dançassem...

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Se o Binho rodopiasse os versos da Renata

Que voasse de valsa nos braços do Ivan

Se Ilíade virgiliasse a Eneide com ele

E se Jozy predissesse as mil rimas

Tão suaves da Maria Guilhermina

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E se Eliana escrevesse

E se a Tânia pedisse

Que André publicasse.

E o Luiz assinasse...

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E se Fabiana sorrisse

E se todos aplaudissem

E se todos chorassem

E se todos dançassem...

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E se Jonas trovejasse

as prosas que eu ainda não escrevi?

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Ah, se o Theo cantasse...

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(Ivan Carlos Regina)

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I - Próprio

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No dia de meu milésimo aniversário

ganhei de presente a

caneta de escrever poesia.

Antes, eu bebia do copo

do poeta alheio,

mas agora, do meu próprio veneno,

tenho o vaso cheio.

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A pena resiste, enfim,

pois costurei à minha boca

o meu jeito triste,

que cheira a meu próprio nanquim.

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De tudo que detesto

brota meu texto.

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Palavra que voa fácil, e beleza,

seguro fora do verso;

Trabalho com a rima torta e nenhuma certeza.

Quero que a minha alma gema,

para que meu ser, submerso,

possa imergir do poema.

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II - Impróprio

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5

O verso, para que funcione

tem que ser arrancado do poeta

como se fora um dente,

ou, melhor ainda, como um tumor

retirado de um órgão doente.

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4

A sua beleza é só a do alívio

que se sente quando a dor é finda.

Poemas são palavras que foram nuvens,

que retiramos do céu, enquanto ainda.

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3

Sensações que o bardo capta

e que transforma em saliva,

na boca que sofre de afta.

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2

Gritamos estrofes na tarde maldita,

para enterrar mais fundo nossa alma aflita.

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1

Para esquecer do dia é que faço poesia.

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0

Morte.

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Outono da vida

(Claire Feliz Regina)

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Quis fazer poesia.

Poesia é assim que se faz,

pensei que alguém me diria.

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Mas as palavras na minha garganta,

engasgando e se rebentando

numa dor contumaz...

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Palavras doridas

Palavras sem vida

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Percebi: para mim era tarde demais.

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Três Hinos à Poesia

(Fábio Santos)

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I

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Poesia é nos cantos

Conto de beirada

Canto de canário

Canto de Mãe d’Água

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Poesia é aos poucos

Pouco de ser pouco

Pouco de voz rouca

Pouco de sufoco

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Poesia é sem sentido

Sem sol para o Oriente

Sem norte para bússolas

Sem sul para os degelos

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II

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Tapeçaria de ramagens pálidas

Joalheria de metais gastados

Artesanato cujas mãos se escondem

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III

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E cavá-las

- as palavras -

até alicerces

de túmulos-catedrais.

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Poesia

(Eliana Santos)

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Em versos, mistifico o que eu sou, mal rimadas são as palavras que ecoam desconcertantes.

Na minha poesia um certo refúgio , uma certa inconstância ,e essa total inquietudade irriquieta que meus olhos revelam.

E na poesia que está esse grito por vezes desespero, por outras apenas um acalento.

Enebrio-me dessa melodia que se extasia nas veias pulsantes da minha alma.

É como se eu me libertasse de todas as angustias.

Em versos, me apresento de uma maneira única e intensa.

Eu mesma, sem máscaras e sem medos.

A poesia e o meu mundo a parte. É lá que estou, é lá que eu existo é lá que me revelo e me encontro.

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A POESIA NUNCA SERÁ UM VIR-A-SER

(Cristina Fonseca Monteiro)

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Ainda há aqueles que insistem em ver na poesia a estreita função de descrever exatamente o que pensam e sentem os homens. Crêem-na inteiramente transparente, uma tela por meio da qual o autor se traveste de eu-lírico para poder dizer ao mundo seus sentimentos mais íntimos, profundos e verdadeiros.

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Faz-se inevitável perceber que a poesia não é essa tela pela qual perpassa o real. A poesia é o real. É tão real que choca aquele que a vive e chega a confundi-lo ao fazê-lo crer que é dono daquelas palavras concretas quando estava podendo ser dono de si. A experiência da construção da/na poesia quase chega a atravessar o homem, pois permite transcender, a ponto de não se fazer possível reconhecimento integral algum no papel, não se apresentando de um modo condizente com tal produto derivado.

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A poesia é mais que espelho, é mais do que um divã. Ela é a arte que faz o homem crer-se uno. E, por isso, ele tenta desesperadamente costurar, numa trama de palavras, um todo único: as palavras com frases, as frases com estrofes e as estrofes até podendo virar sonetos. O que o poeta busca arduamente moldar é apenas uma tentativa de se reconstruir numa produção. E ao fazê-lo, crê-se orgulhoso de seu feito: arruma a pontuação, troca algumas palavras, renomeia um eu-lírico, um pseudônimo ou até um heterônimo. Mas isso é apenas um retoque. A poesia já acabou. Virou poema.

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Onde está o criador daquela trama de ideias?

Inacessível, ainda que vivo.

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Onde está a poesia agora?

A poesia está para as histórias, assim como o poema ficou para a História.

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O poema fica então na função da era digital, que finge retratar uma imagem real, mesmo após tantos atos de deletar e consertar. E já se encontra pronto para ser lido, discutido, sentido e analisado. Aquelas linhas no papel apenas representam uma mísera fagulha que sua autoria lhe possibilitou registrar, não revelam muito. Mesmo espremidas as entrelinhas, pouco teremos de real. Sentiremos uma pitada do gosto de existir de alguém.

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Compreende-se assim que a poesia situa-se num terceiro plano, intermediada entre a figura do poeta e o papel (ou o público). Quantas descobertas! É um instante de êxtase, vivido como tão profundo que o poeta acredita que deve ser lançado para fora, ornamentado numa produção a ser valorizada e aplaudida pelos demais. E é importante que ele o valorize. Mas é de tal modo intangível e impalpável que acaba antes mesmo do último ponto final. E o mais grave: a construção ocorrida entre o poeta e a poesia não se encontra naquele eixo de palavras escritas e tampouco pode vir a ser inteiramente recuperada enquanto tal, nem pelo próprio autor.

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Porque nem tudo pode ser descrito, nem cabe em palavras e menos ainda obedece à necessidade de controle que o homem acredita poder ter sobre si mesmo. E é aí que a poesia cumpre sua preciosa função: pela experiência, ao se resgatar, o homem compreende-se pleno e certifica-se vivo.

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A Poesia

(André Al Braga)

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A arte de versar; despertar o sentimento belo... poesia. A definição a ela dada, trancafiada no dicionário, serve só para alimentar os leigos. Vinho envelhecido sem rótulo, ela, traçando paralelos, redefini, mas nunca defini nada; nem ela mesma. Rediz o dito, desdiz o redito, edita, mas nunca dita. Dito isso, a poesia mais do que sentimentos, ou a arte de evocá-los, ela é um sentido que se soma aos outros sentidos, e que se manifesta em poucos; um híbrido nascido da percepção e da expressão. Entre Amor e Humor, a poesia é Rumor.

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Os Profetas, cartomantes, quiromantes, adivinhos, ou seja lá como forem denominados os que tentam prever o futuro, todos se dizem dotados de um sexto sentido. Invencionismos a parte, na poesia não existe charlatão, ou se é poeta ou não se é. Sem meio termo. O morno, na poesia, vomita-se. E quem afirma o poeta é a poesia, e não o inverso.

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Metrificada, rimada, versada, nascida da música, o que gera uma tremenda ironia: um poeta sempre será um músico, mas um músico pode nunca ser um poeta. O músico toca um instrumento e o poeta com a poesia simplesmente toca. Pensando bem, acho que a poesia nasceu antes da música... muito antes até. As pinturas rupestres, que aprendemos a chamar de “desenhos”, talvez sejam poemas, as primeiras epopéias grafadas da história. Quem é que vai saber se eram (são) ou não? Ninguém. A ciência apenas deduz que são desenhos que representam o cotidiano, dedução que não quer dizer nada. Apenas arquivam essas informações no “P” de pictóricos, e p(r)onto. O pior é que nós nunca saberemos se a “poesia rupestre” está em prosa ou verso. É, os “homens das cavernas” são os primeiros poetas da humanidade, e a sua poesia vem sobrevivendo ao tempo.

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A poesia marca o tempo em toda a sua dimensão.

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O médico e o monstro, é assim a relação do poeta com a palavra. Mumificada pelos acadêmicos, exaltada pelos fanáticos eruditos, subvertida pelo provincianismo, empanada pelas mídias de massa, a palavra sofre suas variações, mas é na mesa de cirurgia do poeta que ela cria vida. Mutilada, recortada, colada, costurada, repensada e reproduzida, a palavra se cria em meio aos choques e se ergue em forma de poesia, e se torna criatura maior do que o seu criador. Fernando Pessoa, um Dr. Frankenstein que produziu vários monstros, misturado com Dr. Jekyll, que não conseguia conter seus arquétipos e se transformava no gigantesco Dr. Hyde, Pessoa foi tão minimizado pelas suas crias que sua existência humana é praticamente nenhuma; Ricardo, Alberto, Álvaro, será que já não esbarramos com eles por ai?

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Nem as almas que suplicam por misericórdia vagam tanto atemporal pelo espaço quando a poesia.

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A poesia transcende.

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Nos gestos graciosos da dança, em pinceladas (a)simétricas, no equilíbrio da natureza, no marasmo do campo, no caos urbano, na carne, na guerra, a poesia caminha em silêncio pelos seus corredores sinuosos e mostra sua cara ao poeta em lampejos de inspiração, e utiliza-o como um caminho para tomar forma, criar imagem, som, sabor, saber. Sem saber, o poeta é só um instrumento que a poesia usa para se apresentar. A poesia é o mais poderoso arquétipo do inconsciente coletivo. O verbo é o princípio, a poesia um fim, e o poeta um meio.

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Quando a sensação de vazio lhe atacar, e a guerra você versus você começar, escreva, pois é só a poesia querendo um dedo prosa.

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Comentário de André Al Braga em 5 julho 2010 às 22:46
Gostei desse último... rs rs

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